Interrogatório do Acusado (Processo Penal): Resumo Completo

O interrogatório do réu é um ato processual que dá oportunidade ao acusado de se comunicar diretamente com o juiz, apresentando a sua versão dos fatos que lhe foram imputados pela acusação, podendo inclusive indicar meios de prova.

Trata-se da oportunidade do réu de exercer, perante o magistrado, a autodefesa.

Natureza Jurídica do Interrogatório

O interrogatório do acusado está disciplinado nos arts. 185 e seguintes do Código de Processo Penal.

O art. 185 (e seguintes) está dentro do Capítulo III que, por sua vez, pertence ao título VII do Código de Processo Penal.

O Título VII trata da prova.

Portanto, o legislador alocou o interrogatório dentro das provas em espécie.

Parte da doutrina, contudo, realiza a interpretação do interrogatório sob a ótica da Constituição Federal.

Para essa doutrina, o interrogatório é considerado um meio de defesa, pois a Constituição Federal assegura ao réu o direito ao silêncio.

Observe o que dispõe o art. 5°, LXIII, da CF:

Art. 5° (…)

LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Portanto, o direito ao silêncio é um direito fundamental, tratando-se, inclusive, de uma manifestação da ampla defesa.

É importante destacar que, no âmbito da ampla defesa, há a:

  1. Defesa Técnica: é exercida pelo advogado, sendo indisponível (súmula 523 do STF). No processo penal, a ausência de defesa técnica enseja a nulidade absoluta;
  2. Autodefesa: é aquela exercida pelo próprio imputado. A autodefesa é facultativa, até porque o réu tem direito ao silêncio.

Neste cenário, a leitura constitucional do interrogatório impõe essa interpretação.

Lembro, por oportuno, que a efetivação e concretização dos Direitos Fundamentais, tendo como núcleo axiológico a Dignidade da Pessoa Humana, é pilar de sustentação do neoconstitucionalismo.

Fala-se, aqui, em eficácia irradiante da Dignidade da Pessoa Humana.

O objetivo desse movimento, em última análise, é garantir a efetividade da Constituição Federal.

A Constituição Federal, dado seu grau de importância, não pode ser considerada letra morte sem efetividade.

Por isso, parece adequada a interpretação que trata o interrogatório como meio de defesa (e não como meio de prova).

Sendo meio de defesa, o não comparecimento do réu NÃO poderia ensejar:

  1. Revelia;
  2. Condução coercitiva.

Para os tribunais superiores, contudo, o interrogatório tem natureza híbrida.

Isso porque o interrogatório do acusado poderá assumir o papel de:

  1. Meio de defesa;
  2. Meio de prova.

É importante destacar, também, que o juiz é obrigado a garantir a possibilidade de ocorrer o interrogatório, sob pena de nulidade.

Sobre o tema, observe o que dispõe o art. 564 do CPP esclarece o seguinte:

Art. 564.  A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

(…)

III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

(…)

e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa;

Note que isso não significa que o interrogatório precisa ocorrer…

O que significa, em verdade, é que o juiz precisa oportunizar o interrogatório para que o réu exerça ou não.

Em outras palavras, o juiz não pode suprimir o interrogatório por, por exemplo, compreender que o interrogatório não influenciará o seu convencimento.

A doutrina majoritária compreende que a nulidade, aqui, é absoluta dada a evidente violação ao princípio da ampla defesa.

Contudo, há precedente no STF que indicam que a nulidade, aqui, é relativa, devendo o réu comprovar o prejuízo (HC 82.933).

É importante destacar que, no Tribunal do Júri, o réu preso pode subscrever documento, junto ao advogado, para não comparecer ao Tribunal, hipótese em que não ocorrerá, também, o interrogatório.

Trata-se de estratégia que pode ser livremente utilizada pela defesa.

Art. 457.  O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado.          

§ 1°  Os pedidos de adiamento e as justificações de não comparecimento deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior, previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do Júri.

§ 2°  Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor.

Procedimento do Interrogatório

Em primeiro lugar, é importante destacar que o réu tem o direito de, preliminarmente, ser orientado pelo advogado sem qualquer interferência do Estado.

Sobre o tema, observe o que dispõe o art. 185,

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

(…)

§ 5°  Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.

Além disso, há o direito da presença do advogado no interrogatório.

Aliás, o caput do art. 185 do CPP é claro ao dispor que “o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado“.

A presença do advogado é obrigatória, inclusive, na audiência de custódia.

Note, contudo, que o dispositivo fala em autoridade judiciária (juiz) e processo penal.

Isso é importante, pois a regra não se aplica na oitiva do suspeito no inquérito policial.

Em outras palavras, o suspeito pode ser ouvido sem advogado durante o inquérito policial sem que isso constitua qualquer espécie de nulidade.

Vale destacar, contudo, que o advogado tem o direito de acompanhar o ato, quando comparecer junto ao suspeito.

É o que dispõe o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906), art. 7°, XXI:

Art. 7º São direitos do advogado:

(…)

XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

Na hipótese, portanto, do advogado comparecer junto ao investigado, deve o advogado participar, sob pena de nulidade absoluta.

Quanto a estrutura do procedimento de interrogatório do acusado, temos o seguinte ordem de atos:

  1. Qualificação do Réu;
  2. Réu será informado do direito ao silêncio;
  3. Juiz faz perguntas:
    • a) Sobre a pessoa do réu;
    • b) Sobre os fatos.
  4. Juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido. Se houver, formulará as perguntas que entender pertinente/ relevante;
  5. Ao final, será lavrado termo.

Note que, em primeiro lugar, ocorre a individualização do acusado por meio da sua qualificação.

Nesta primeira oportunidade, vale destacar, não há, ainda, o direito ao silêncio.

Ato contínuo, o réu é informado do direito ao silêncio, conforme art. 186 do CPP:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

É importante repisar que o direito ao silêncio é um direito fundamental (art. 5°, LXIII, CF), sendo desdobramento da ampla defesa.

Em seguida, o magistrado deve fazer perguntas sobre a pessoa do réu.

É o que dispõe o art. 187, § 1° , do CPP:

Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes:sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos.

§ 1° Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais.

Isso é importante, pois será parte integrante da dosimetria da pena.

Em Direito Penal, estudamos as circunstâncias judiciais, elemento integrante da primeira fase da dosimetria da pena.

São circunstâncias judiciais, por exemplo, a conduta social do agente e a personalidade do agente.

Em seguida, o magistrado deve perguntar sobre os fatos.

É o que determina o art. 187, § 2° , do CPP:

art. 187 (…)

§ 2° Na segunda parte será perguntado sobre:

I Рser verdadeira a acusa̤̣o que lhe ̩ feita;

II – não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela;

III – onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta;

IV – as provas já apuradas;

V – se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas;

VI Рse conhece o instrumento com que foi praticada a infra̤̣o, ou qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido;

VII – todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração;

VIII – se tem algo mais a alegar em sua defesa.

Por fim, “após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.” (art. 188 do CPP).

Vale destacar que o interrogatório será realizado por intermédio de um interprete na hipótese do réu ser estrangeiro (art. 193 do CPP).

Quanto ao momento de realização, tem-se que o interrogatório será realizado no final da instrução.

O objetivo é prestigiar a ampla defesa.

Há casos em que a legislação especial não aponta essa determinação.

Contudo, dada a finalidade da ordem (prestígio a ampla defesa), deve o interrogatório, mesmo nesses casos, ser alocado ao final da instrução.

É o que ocorre, por exemplo, nas ações da justiça eleitoral (HC 107.795), lei de drogas (art. 57 da lei 11.343), justiça militar e ações originárias em Tribunal (art. 7° da lei 8.038 – HC 127.900).

Na posição do STF, na hipótese do réu ser interrogado primeiro,  deve ele comprovar o prejuízo, pois a nulidade é relativa.

Parte da doutrina, contudo, entende que a nulidade deve ser absoluta, dada violação a ampla defesa.

Interrogatório do Réu Preso

A regra definida pelo legislador é que, diante do réu preso, deve o magistrado interrogá-lo no próprio estabelecimento prisional.

Para tanto, contudo, devem estar presentes os requisitos do art. 185, § 1°, do CPP:

Art. 185 (…)

§ 1°  O interrogatório do réu preso será  realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.

Excepcionalmente, deve o interrogatório ser realizado por videoconferência.

É o que disciplina o § 2°  do art. 185 do CPP:

Art. 185 (…)

§ 2°  Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;

III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;

IV – responder à gravíssima questão de ordem pública.

Note, contudo, que a videoconferência deve ser utilizada para atender a determinadas finalidades (incisos I a IV).

Não se trata, portanto, de lançar mão da videoconferência de forma subsidiária ao interrogatório presencial no estabelecimento prisional.

Em verdade, a regra subsidiária é a condução do preso ao fórum, conforme

Art. 185 (…)

§ 7°  Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1° e 2° deste artigo.

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