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ToggleParte da doutrina fala, aqui, em competência da polícia.
Contudo, a competência, em verdade, é medida da jurisdição.
As regras de competência apontam limites à jurisdição.
Não é o que acontece aqui…
Portanto, muito embora o Código de Processo Penal utilize a expressão “competência”, o mais adequado é ler atribuição.
Atribuição da polícia é a quantidade de poder conferido por lei a determinada autoridade estabelecendo a sua margem de atuação.
Critérios de Definição da Atribuição/ Competência
Há 3 critérios:
- Critério territorial;
- Critério material;
- Critério pessoal.
Pelo critério territorial, tem atribuição para atuar o delegado que atua na circunscrição do local que ocorreu a consumação do crime.
Em paralelo, pelo critério material a atuação do delegado é delimitada pela espécie de infração.
Há, neste cenário, delegados especialistas na apuração de determinadas situações.
É curioso observar que existem hipóteses em que a polícia federal investigará crimes estaduais.
Sobre o tema, observe o que dispõe o art. 1° da lei 10.446/2002:
Art. 1° Na forma do inciso I do § 1° do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais:
I – sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;
II – formação de cartel; e
III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e
IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.
V – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado
VI – furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação.
VII – quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres.
Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça.
Note que o parágrafo único autoriza a intervenção da Polícia Federal em outros crimes estaduais, desde que autorizados pelo Ministro da Justiça e imponham apuração uniforme pela repercussão nacional ou internacional.
Por fim, pelo critério pessoal a atribuição da polícia pode ser fixada pela figura da vítima.
É o caso, por exemplo, da delegacia da mulher e delegacia do consumidor.
Incomunicabilidade
No Código de Processo Penal, a incomunicabilidade vem disciplinada no art. 21.
Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir.
Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada por despacho fundamentado do Juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no artigo 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Segundo a doutrina, contudo, a incomunicabilidade aqui disciplinada NÃO foi recepcionada pelo art. 136, IV, da Constituição Federal.
Isso porque a incomunicabilidade não está autorizada SEQUER no estado de defesa, cumpre citar:
Art. 136. (…)
§ 3º Na vigência do estado de defesa:
(…)
IV – é vedada a incomunicabilidade do preso.
Portanto, como não está autorizada a incomunicabilidade em uma situação extraordinária (estado de defesa), também não estaria autorizada em situação ordinária de menor gravidade.
Portanto, tem-se defendido na doutrina e jurisprudência que a incomunicabilidade do preso, hoje, é inconstitucional.
Indiciamento
Antes do indiciamento tem-se um juízo de possibilidade, ao passo que, após o indiciamento, tem-se um juízo de probabilidade.
O indiciamento pode ser compreendido como um ato administrativo com efeitos processuais, que consiste na imputação formal da autoria ou participação de uma infração penal a alguém, no curso do inquérito policial ou outro procedimento legal.
O indiciado passa a ser o principal suspeito da pratica do delito.
O indiciamento, portanto, altera o status do investigado, que passa a ter direitos e deveres específicos, como o direito à ampla defesa e ao contraditório, e o dever de comparecer aos atos processuais.
No inquérito policial, o indiciamento é um ato privativo do delegado de polícia, que deve se basear em elementos de informação que indiquem a existência da materialidade e dos indícios razoáveis de autoria do crime.
É o que dispõe o art. 2°, § 6º, da lei 12.830/2013:
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
(…)
§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.
É curioso observar que, segundo a doutrina, o indiciamento deve ocorrer assim que possível.
Como regra, o indiciamento ocorre após a oitiva do suspeito.
É importante destacar que o indiciamento NÃO vincula o Ministério Público.
Isso significa que o Ministério Público, diante do indiciamento, pode optar por não oferecer a denúncia.
Da mesma forma, pode o Ministério Público oferecer a denúncia daquele que não foi indiciado pelo delegado de polícia.
Requisitos para o indiciamento
O próprio art. 2°, § 6º, da lei 12.830/2013, esclarece que o indiciamento se dá por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato que deverá indicar:
- a autoria;
- a materialidade;
- as circunstâncias da infração;
Classificação do Indiciamento
O indiciamento poderá ser:
- Direto;
- Indireto;
O indiciamento direto é aquele realizado perante o investigado.
Em paralelo, o indiciamento indireto é aquele que NÃO foi realizado perante o investigado.
Afastamento do Funcionário Público em razão do Indiciamento
O art. 17-D da lei de lavagem de dinheiro (lei 9.613/98) disciplinava o seguinte:
“Art. 17-D. Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.”
Note, portanto, que o afastamento de servidor público indiciado por lavagem de dinheiro era uma medida prevista no artigo 17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998), que determinava que o servidor público fosse afastado do exercício de suas funções em caso de indiciamento por esse crime ou por ocultação de bens, direitos e valores.
O art. 319, IV, do CPP, contudo, dispõe que o afastamento do funcionário público do exercício das função é, em verdade, espécie de medida cautelar pessoal.
Por isso, tal medida pressupõe ordem judicial, tratando-se de ato que faz parte da cláusula de reserva de jurisdição.
Por isso, o art. 17-D, por meio da ADI 4911,foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em novembro de 2020, por violar os princípios da proporcionalidade, da presunção de inocência e da igualdade entre os acusados.
Portanto, atualmente não há previsão legal para o afastamento automático de servidor público indiciado por lavagem de dinheiro.
Limitações do Indiciamento
Em relação ao indiciamento, existem algumas limitações que precisam ser conhecidas pelo Operador do Direito.
Em relação aos membros do Ministério Público, por exemplo, tem-se que, quando investigados, não é permitido o indiciamento pela Polícia Judiciária.
É o que dispõe o art. 41, II, da lei 8.625/93.
Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica:
(…)
II – não ser indiciado em inquérito policial, observado o disposto no parágrafo único deste artigo;
Da mesma forma, os magistrados também não serão indiciados pela polícia judiciária, conforme art. 33, parágrafo único, da LC 35/79.
Art. 33 – São prerrogativas do magistrado:
(…)
Parágrafo único – Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.
Em relação as demais autoridades com foro por prerrogativa de função, tem o STF entendido (inquérito n. 2.411) que o indiciamento exige prévia deliberação do Tribunal competente.
Desindiciamento
O desindiciamento é o ato pelo qual a autoridade policial revoga ou cancela o indiciamento de alguém que foi investigado por uma infração penal.
É importante esclarecer que eventual desindiciamento não implica na extinção automática do inquérito policial.
Aliás, o inquérito policial pode (e deve) prosseguir, sem qualquer transtorno, em relação aos fatos e outros investigados.
Até porque o delegado de polícia não tem poder para arquivar o inquérito policial.
É o que dispõe o art. 17 do CPP:
Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.
Portanto, uma vez instaurado o inquérito policial, deve o delegado de polícia conclui-lo.
O desindiciamento pode ocorrer quando se verifica que não há elementos suficientes para indicar a autoria ou a participação do investigado no crime, ou ainda, quando surgem novas provas que afastam a responsabilidade daquele que foi indiciado em um primeiro momento.
Para parte da doutrina, o desindiciamento pode ser compreendido como um direito do investigado que visa garantir sua presunção de inocência e evitar prejuízos à sua imagem e reputação.
É importante destacar, ainda, que admite-se, na doutrina e jurisprudência, o desindiciamento coacto obtido, pela via judicial, por meio de habeas corpus.