Conexão e Continência (Processo Penal): Resumo Completo

A conexão e a continência são causas modificadoras de competência no processo penal, cuja finalidade é garantir a economia processual e evitar decisões contraditórias.

Ambos os institutos estão relacionados à determinação do juízo competente para julgar casos concretos, conforme critérios estabelecidos em lei.

Vou explicar cada um dos institutos nos próximos tópicos.

Conexão e Continência

Podemos definir a conexão e a continência como causas modificadoras de competência no processo penal.

Tais causas definem o Juízo competente para o exercício da jurisdição no caso concreto com base em critérios legais predefinidos.

O objetivo dos institutos é buscar a economia de atos e evitar as decisões contraditórias.

A conexão ocorre quando há mais de uma infração penal e elas guardam algum vínculo entre si.

É, como regra, aplicada no âmbito do concurso material de crimes.

Ela é um instrumento de unificação de processos.

A conexão poderá ser:

  1. Intersubjetiva;
  2. Lógica.
  3. Instrumental (ou probatória).

A conexão intersubjetiva é aquela constituída por 2 ou mais infrações praticadas por 2 ou mais pessoas.

A conexão intersubjetiva poderá ser:

  1. Por simultaneidade (ou ocasional);
  2. Concursal;
  3. Por reciprocidade;

A conexão intersubjetiva por simultaneidade ocorre quando os crimes ocorrem nas mesmas circunstâncias de tempo e espaço.

Isso significa que os crimes são cometidos ao mesmo tempo e no mesmo lugar.

O ponto importante aqui é que, entre os agentes, não há ajuste prévio, ou seja, não há vinculo subjetivo.

A conexão intersubjetiva concursal, por sua vez, pode ser definida como aquela em que várias pessoas cometem vários crimes, havendo vínculo subjetivo sobre elas, ainda que os crimes sejam praticados em locais diversos.

Por fim, a conexão intersubjetiva por reciprocidade ocorre quando duas ou mais pessoas cometem dois ou mais crimes UMAS CONTRA AS OUTRAS.

Muita atenção, pois não se trata da hipótese do crime de rixa.

A rixa pode ser compreendida como uma briga generalizada com participação de, no mínimo, 3 pessoas.

Porém, aquele que participa da rixa é enquadrado em um crime único (crime de rixa).

Por questão de lógica, portanto, não faz sentido enquadrar o crime de rixa, de imediato, na conexão intersubjetiva por reciprocidade, pois a conexão, por si só, pressupõe 2 ou mais crimes.

Em paralelo a conexão intersubjetiva, temos a conexão lógica (ou teleológica/ finalística).

A conexão lógica (ou teleológica/finalística) no processo penal é quando existe uma relação finalística (teleológica) entre os delitos.

Sobre o tema, observe o que dispõe o art. 76, II, do CPP:

Art. 76.  A competência será determinada pela conexão:

(…)

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

Um crime é praticado, portanto, para:

  1. Facilitar ou ocultar a prática de outro crime;
  2. Alcançar a impunidade ou vantagem em relação a outro crime.

Essa vantagem poderá ser processual ou econômica.

É o que ocorre, por exemplo, quando duas pessoas cometem um crime de roubo para financiar outro crime, como tráfico de drogas.

Nesse caso, existe uma relação finalística entre os dois crimes, pois um foi cometido para facilitar a prática de outro.

Por fim, temos a conexão instrumental (ou probatória).

Sobre o tema, observe o que dispõe o art. 76, III, do CPP:

Art. 76.  A competência será determinada pela conexão:

(…)

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

A conexão instrumental (ou probatória), portanto, ocorre quando a prova de um crime influencia na existência de outro.

É o que acontece, por exemplo, com o crime de receptação em relação ao crime de roubo.

Aliás, como já estudamos do Direito Penal Desenhado, o crime de receptação é um crime de fusão (ou crime parasitário), pois pressupõe a existência de um crime anterior.

Não há como sustentar a prática do crime de receptação sem crime anterior.

Isso não significa, contudo, que o agente do crime anterior precisa ter sido punido.

É, inclusive, o que dispõe o art. 180, § 4º , do Código Penal:

Art. 180 (…)

§ 4º – A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa.

Além da conexão, temos a continência.

A continência ocorre quando um fato criminoso contém outros, o que impõe que o julgamento de todos seja realizado em conjunto.

É usualmente aplicado no âmbito do concurso formal de crimes.

Ela está prevista no artigo 77 do Código de Processo Penal:

Art. 77.  A competência será determinada pela continência quando:

I – duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;

II – no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1°, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal.

Na continência, então, há:

  1. Apenas um crime praticado por duas ou mais pessoas;
  2. Apenas uma conduta que provoca dois ou mais resultados lesivos.

Neste particular, a doutrina destaca que a continência poderá ser:

  1. Por cumulação subjetiva: um só crime praticado por duas ou mais pessoas (art. 77, I, do CPP);
  2. Por cumulação objetiva: uma só conduta que provoca dois ou mais resultados lesivos (art. 77, II, do CPP).

Foro Prevalente

Uma vez estudado a conexão e a continência, é preciso compreender o que é o foro prevalente.

Isso porque o foro prevalente é uma regra que determina qual o foro competente para julgar um processo quando houver a alteração de competência em razão da conexão ou continência.

  • Justiça Comum Vs. Justiça Especial

A primeira regra importante aqui é que na conexão/ continência entre crime de competência da justiça especial e Crime de Competência da justiça comum, prevalecerá a justiça especial.

É o que dispõe o art. 78, IV, do CPP:

Art. 78 (…)

IV – no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.

Entretanto, essa regra NÃO se aplica à justiça militar.

Lembre-se que a justiça militar é fechada, julgando, APENAS, os crimes dos art. 9° e 10° do Código Penal Militar.

Em verdade, o art. 78, IV, do CPP acaba direcionando-se a justiça eleitoral.

Neste cenário, crime comum (estadual ou federal) conexo com crime eleitoral SEMPRE será enviado para a justiça eleitoral, por se tratar de foro prevalente.

Justiça Comum Federal Vs. Justiça Comum Estadual

Na hipótese de conexão. continência entre crime de competência da justiça comum estadual e crime de competência da justiça comum federal, prevalece a justiça comum federal.

É o que disciplina a súmula 122 do STJ:

Súmula 122 do STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal.

Crime Federal Vs. Contravenção Penal

Existindo a conexão/ continência entre crime federal e contravenção penal, prevalece o entendimento majoritário é que deve-se SEPARAR os processos.

Isso porque a Súmula 122 do STJ não incide nesse caso.

Além disso, a Constituição Federal expressamente excluiu, em seu art. 109, IV, a competência da Justiça Federal para o julgamento das contravenções penais:

Art. 109 Aos juízes federais compete processar e julgar:

(…)

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Tribunal do Júri Vs. Demais Órgãos da Jurisdição Comum (Estadual ou Federal)

Existindo a conexão/ continência entre crime doloso contra a vida e crime comum, prevalece a competência do Tribunal do Júri.

Aliás, quando o conexão/ continência do crime doloso contra a vida ocorre com crime federal, o Tribunal do Júri ocorrerá na justiça comum federal.

O Tribunal do Júri pode, nesse particular, julgar, inclusive, ações de menor potencial ofensivo.

Sobre o tema, observe o que dispõe o art. 60, parágrafo único, da lei 9.099:

Art. 60.  O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.

Tribunal do Júri Vs. Justiça Especial (Militar e Eleitoral)

Existindo a conexão/ continência entre crime doloso contra a vida e crime de competência da justiça militar ou eleitora, deve-se SEPARAR os processos.

O crime militar/ eleitoral será julgado pela respectiva justiça especial e o crime doloso contra a vida será julgado pelo Tribunal do Júri.

Quando houver competência do júri e do foro comum, o foro prevalente será o júri e quem julga é o juiz da comarca em que ocorreu a infração mais grave.

Caso as infrações sejam de igual gravidade, o foro prevalente será aquele em que houve maior número de ações.

Jurisdição de Maior Hierarquia prevalece sobre Jurisdição de Menor Hierarquia

Imagine, por exemplo, que João, que tem foro por prerrogativa de função, pratica crime junto com Pedro que não tem foro por prerrogativa de função.

Nesse caso, ambos serão julgados pelo Tribunal competente para julgar aquele que tem foro por prerrogativa de função.

Aliás, nesse cenário, a súmula 704 do STF destaca o seguinte:

Súmula 704 do STF: “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal, a atração, por continência ou conexão, do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados

O Tribunal, contudo, se entender conveniente, poderá determinar o desmembramento.

Uma questão interessante guarda relação com a prática de crime por governador em conexão/ continência com crime praticado por senador.

Ambos (governador e senador) possuem foro por prerrogativa de função definido pela Constituição Federal.

Todavia, o governador será julgado pelo STJ, ao passo que o senador pelo STF.

Nesse cenário, o entendimento majoritário sustenta que os processos devem ser separados.

Juízes da Mesma Justiça e Mesma Hierarquia Concorrendo

Na situação em que há concurso de jurisdições da mesma categoria, as regras serão definidas pelo art. 78, II, do CPP:

Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:

(…)

Il – no concurso de jurisdições da mesma categoria:

a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave;

b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;

c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;

Portanto, nesse caso, prevalece, em primeiro lugar, o juiz atuando no local da consumação do crime mais grave.

Neste particular, parâmetro é a pena máxima em abstrato do crime.

Na hipótese, contudo, dos crimes apresentarem a mesma pena máxima em abstrato, prevalece o juiz do local da consumação do maior número de crimes.

Todavia, se os crimes apresentarem a mesma pena máxima em abstrato e forem praticados na mesma quantidade, prevalece o juiz que primeiro praticar o ato processual (prevenção).

Lembre-se que juiz prevento é aquele que teve o primeiro contato com a causa.

Esse primeiro ato, no âmbito do processo penal, poderá ser:

  • 1. O recebimento da inicial acusatória;
  • 2. A adoção de medida cautelar na fase do Inquérito Policial.

Separação de Processos

Ainda que exista conexão./ continência, podem os processos tramitar separados:

  1. Por imposição legal;
  2. Por conveniência da persecução penal.

A deliberação, nesse particular, cabe ao Poder Judiciário.

A separação poderá ser:

  1. Obrigatória;
  2. Facultativa.

A separação obrigatória é a separação determinada pela lei.

Poderá, ainda, decorrer do necessário respeito as normas de competência constitucional.

As principais hipóteses são:

  1. Concurso entre justiça comum e justiça de menores;
  2. Concurso entre justiça militar e qualquer outra justiça;
  3. Inimputabilidade superveniente de um dos imputados (em relação ao inimputável, o processo fica suspenso);
  4. Citação por edital de um dos corréus que não comparece para se defender.

Em paralelo, a separação facultativa decorre da conveniência da persecução penal.

Sobre o tema, observe o que dispõe o art. 80 do CPP:

Art. 80.  Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não Ihes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.

Note que o rol é exemplificativo já que o juiz pode optar pela separação facultativa por outro motivo relevante.

Perpetuação da Jurisdição

Na hipótese do juiz prevalente absolver o réu pelo crime que o tornou prevalente, ou ainda, desclassificar a infração penal, continuará competente para julgar os delitos relacionados.

É o que dispõe o art. 81 do CPP:

Art. 81.  Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos.

Parágrafo único.  Reconhecida inicialmente ao júri a competência por conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente.

Há, contudo, uma regra especial no Tribunal do Júri.

Na regra do Júri, temos o seguinte:

  • 1° fase do procedimento
    • Pronúncia pelo crime doloso contra a vida: Deve o juiz remeter para o júri também o crime conexo;
    • Impronúncia, Absolvição Sumária ou Desclassificação do Crime: Deve o juiz remeter o crime conexo ao juízo competente.
  • 2° fase do procedimento
    • Desclassificação do crime pelos Jurados: Deve o juiz presidente do júri julgar o crime desclassificado e os conexos.

Competência Funcional

A competência funcional tem como parâmetro a distribuição de funções na persecução penal.

O objetivo, aqui, é aferir a distribuição de tarefas entre juízes.

Há, aqui, 3 pontos para analisar:

  1. Competência funcional pelas fases do processo;
  2. Competência funcional pelo objeto do juízo;
  3. Competência funcional pelos graus de jurisdição.

É exemplo de competência funcional pelas fases do processo a distribuição de competências entre o juiz das garantias, juiz da instrução e o juiz da execução.

Em relação a competência funcional pelo objeto do juízo tem-se que, alguns magistrados podem ser competentes para aferir parte do conteúdo e outro para aferir outra parte.

É o que ocorre, por exemplo, no plenário do júri.

No Tribunal do Júri, os jurados possuem competência funcional para analisar os fatos e votar os quesitos, ao passo que o juiz presidente tem competência funcional para elaborar a sentença vinculado aos quesitos dos jurados.

Por fim, a Competência funcional pelos graus de jurisdição é aquela que organiza a estrutura  o julgamento dos recursos e ações de impugnação.

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