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ToggleO contrato de trabalho é, antes de mais nada, um negócio jurídico e, portanto, respeita os requisitos de validade do art. 104 do Código Civil.
Isso significa que, para sua validade, é preciso demonstrar:
- Agente Capaz;
- Objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
- Forma prescrita ou não defesa em lei.
Nos próximos tópicos, vou falar sobre cada um deles.
Agente Capaz
A capacidade no agente, no contrato de trabalho, tem forte influência da legislação trabalhista.
Como se sabe, o menor de 14 anos não pode, em qualquer hipótese, trabalhar.
Admite-se, contudo, a participação do menor de 14 anos em representações artísticas.
Isso porque o Brasil é signatário da Convenção 138 da OIT que dispõe no art. 8° o seguinte:
Art. 8º
1. A autoridade competente, após consulta com as organizações de empregadores de trabalhadores concernentes, se as houver, poderá, mediante licenças concedidas em casos individuais, permitir exceções para a proibição de emprego ou trabalho provida no Artigo 2º desta Convenção, para finalidades como a participação em representações artísticas.
Tal licença deve ser solicitada ao juiz da vara da infância e juventude.
Aliás, na decisão deve o magistrado delimitar as horas de duração do emprego ou trabalho e estabelecerão as condições em que é permitido.
Dos 14 ao 16 anos, é possível trabalhar na condição de aprendiz.
Sobre o tema, o art. 403 da CLT dispõe o seguinte:
Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.
A partir dos 16 anos, é possível firmar contrato de trabalho, contudo, nos limites definidos pela Constituição Federal.
O art. 7°, XXXIII, da CF, nesse particular, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre ao menor de 18 anos.
Em complemento, o art. 404 e 405 da CLT dispõe o seguinte:
Art. 404 – Ao menor de 18 (dezoito) anos é vedado o trabalho noturno, considerado este o que for executado no período compreendido entre as 22 (vinte e duas) e as 5 (cinco) horas.
Art. 405 – Ao menor não será permitido o trabalho:
I – nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes de quadro para esse fim aprovado pelo Diretor Geral do Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho;
II – em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade.
Quanto ao que vem a ser serviço prejudicial a moralidade do menor, esclarece o § 3º do art. 405 o seguinte:
Art. 405 (…)
§ 3º Considera-se prejudicial à moralidade do menor o trabalho:
a) prestado de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, boates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos;
b) em emprêsas circenses, em funções de acróbata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes;
c) de produção, composição, entrega ou venda de escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da autoridade competente, prejudicar sua formação moral;
d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas.
O art. 406 da CLT autoriza, contudo, a participação do menor, em algumas hipóteses, nos casos das alíneas “a” e “b” que acabamos de ler no art. 405 da CLT.
Observe o que dispõe o art. 406 da CLT:
Art. 406 – O Juiz de Menores poderá autorizar ao menor o trabalho a que se referem as letras “a” e “b” do § 3º do art. 405:
I – desde que a representação tenha fim educativo ou a peça de que participe não possa ser prejudicial à sua formação moral;
II – desde que se certifique ser a ocupação do menor indispensável à própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral.
É interessante lembrar que, quando estudamos Direito Civil, verificamos que é possível cessar incapacidade civil daquele que tem entre 16 e 18 anos em alguns casos por meio do instituto da emancipação.
Uma das hipóteses é justamente a “existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria“. (art. 5°, parágrafo único, V, da CC/02)
Para doutrina, o salário mínimo configura, por si só, economia própria, dado que, por opção legislativa, o salário mínimo é compreendido como o suficiente para subsistência do indivíduo.
Você pode estar se perguntando: “então, na hipótese de emancipação, resta afastada as regras de proteção do menor?“.
Na verdade não…
A emancipação tem aptidão para antecipar a capacidade civil do menor, contudo, NÃO afasta as regras de proteção direcionadas ao menor de 18 anos.
Objeto Lícito, Possível, Determinado ou Determinável
Para compreender se o objeto do contrato de trabalho é lícito, é preciso compreender, em um primeiro momento, a teoria trabalhista das nulidades.
A nulidade do objeto em um contrato trabalhista inviabilidade o retorno das partes ao status quo ante (nulidade ex tunc).
Imagine, por exemplo, que um menor trabalha dos 12 até os 14 anos em uma determinada empresa.
O objeto do contrato de ilícito, dado que é vedado qualquer tipo de trabalho ao menor de 14 anos.
A nulidade, contudo, não tem aptidão para devolver o tempo de vida despendido por esse menor em prol da empresa.
Por isso, a nulidade no contrato trabalhista não tem aptidão para retornar as partes ao status quo antes.
Entretanto, para evitar o enriquecimento sem causa, eventual nulidade opera efeitos ex nunc.
Isso garante o reconhecimento de todas as verbas trabalhistas sonegadas pelo empregador, ainda que diante da nulidade do objeto.
É evidente, contudo, que, diante desse cenário, a justiça, no mesmo processo, determina a imediata suspensão da atividade ilícita do menor.
Trata-se, na prática, de um trabalho proibido (ou irregular).
Nesse ponto da matéria é importante destacar que o direito do trabalho diferencia o:
- Trabalho proibido (ou irregular);
- Trabalho ilícito.
O trabalho proibido pode ser compreendido como atividade laboral vedada/ proibida pela lei ou norma administrativa, contudo, que não configura crime, contravenção penal e não concorre para eles.
O grande ponto, portanto, é que, embora proibida pelo ordenamento jurídico, não há crime/ contravenção.
Diante do trabalho proibido, aplica-se a teoria trabalhista das nulidades.
Isso significa que deve-se reconhecer a nulidade com efeito ex nunc, resguardando à parte prejudicada o direito as respectivas verbas trabalhistas sonegadas.
Por isso, inclusive, a Súmula 386 do TST admite o reconhecimento da relação de emprego entre policial militar e empresa privada, ainda que a atividade seja proibida pela lei do respectivo Estado:
Súmula 386 do TST
POLICIAL MILITAR. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM EMPRESA PRIVADA. Preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar.
É curioso observar que a a contratação de pessoal pela Administração Pública sem concurso público pode configurar trabalho proibido.
Isso porque viola a norma que exige o concurso público (art. 37, II, da CF).
Aliás, a própria constituição destaca que tal violação “implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei” (art. 37, II, § 2º, da CF).
Contudo, nesse caso, por violar norma constitucional, não se admite o pagamento de todos os direitos trabalhistas, ainda que seja um trabalho proibido (e não ilícito).
Nesse particular a súmula 363 do TST dispõe o seguinte:
SÚMULA Nº 363 – CONTRATO NULO. EFEITOS
A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
Teoricamente, o trabalhador sem concurso público deveria receber apenas o salário (contraprestação), ante o princípio que veda o enriquecimento sem causa da Administração Pública.
Contudo, o pagamento de FGTS, nessa situação, está expressamente autorizado no art. 19-A da art. 8.036/90:
Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2°, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário.
Confirmando a linha de argumentação do Tribunal Superior do Trabalho, o STF, por meio do tema 308 de repercussão geral, disciplinou o seguinte:
A Constituição de 1988 comina de nulidade as contratações de pessoal pela Administração Pública sem a observância das normas referentes à indispensabilidade da prévia aprovação em concurso público (CF, art. 37, § 2º), não gerando, essas contratações, quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos empregados contratados, a não ser o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/90, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS.
Em paralelo ao trabalho proibido, a doutrina trabalhista conceitua o que vem a ser o trabalho ilícito.
O trabalho ilícito é a atividade laboral que configura crime, contravenção ou que concorre para tanto.
É o que ocorre, por exemplo, com o empregado que, trabalhando no jogo do bixo, pede o reconhecimento de vínculo trabalhista.
Por se tratar de contravenção penal, não há como o Estado chancelar essa atividade.
Sobre o tema, observe o que dispõe a OJ 199 da SDI-I do TST:
OJ 199 da SDI-I do TST
JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico.
Forma Prescrita ou Não Defesa em Lei
A forma prescrita ou não defesa em lei é, também, um elemento de validade do contrato (art. 104 do Código Civil).
Como se sabe, via de regra, o contrato de trabalho NÃO depende de formas prescrita em lei.
Aliás, poderá ser formado inclusive, de forma tácita (art. 442 da CLT).
Contudo, em algumas hipóteses, a legislação trabalhista impõe forma específica, cuja desrespeito gera nulidade do contrato.
É o caso, por exemplo, da contratação do atleta profissional (art. 28 da lei 9.615/98) e do artista profissional (art. 10 da lei 6.533/78).
Autonomia da Vontade no Contrato de Trabalho
A formação do contrato de trabalho impõe livre manifestação da vontade das partes, respeitada a legislação trabalhista (norma cogente) e Constituição Federal.
Aliás, é justamente o que dispõe o art. 444, caput, da CLT:
Art. 444 – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
A expressão “livre estipulação das partes” demonstra a necessidade de vontade livre e consciente das partes direcionada a celebração do contrato de trabalho.
Não se deve formular o contrato, portanto, com base em quaisquer dos vícios do consentimento (erro, dolo, lesão, coação ou estado de perigo).
Também não podem existir, durante a formação/ celebração do contrato de trabalho, quaisquer dos vícios sociais (simulação e fraude contra credores).
Portanto, é requisito intrínseco do contrato de trabalho a vontade livre e consciente direcionada a formação do contrato de trabalho.
- Dica: no curso de Direito Civil Desenhado explicamos, passo a passo, cada um dos vícios do consentimento e vícios sociais.
Elementos Acidentais do Contrato
Os elementos acidentais do contrato são, usualmente, estudados na teoria geral dos negócios jurídicos.
Um contrato é um negócio jurídico e, portanto, possui elementos de existência, validade e eficácia.
A eficácia é a aptidão do negócio para produzir efeitos.
A regra natural é que o negócio jurídico surtirá efeito tão logo seja existente e válido.
Porém, é possível impor obstáculos acidentais (não naturais) que controlam o início, meio e o fim do negócio jurídico.
É o que chamamos, no Direito, de elementos acidentais.
São elementos acidentais a condição, o termo e o encargo.
Tais elementos podem, eventualmente, surgir no contrato de trabalho pela vontade das partes ou por imposição legal.
De forma suscinta, a condição subordina os efeitos do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
A condição necessariamente decorre da vontade das partes.
Na hipótese da condição decorrer da lei, falamos em condição imprópria.
O termo, em contrapartida, subordina os efeitos do negócio a evento futuro e certo.
O encargo, por sua vez, o encargo ou modo é o elemento acidental do negócio jurídico que traz um ônus relacionado com uma liberalidade.
Ônus pode ser compreendido como a necessidade de agir de certo modo para a tutela de interesses próprios.
Alguns doutrinadores, por exemplo, tem apontado que o contrato de trabalho intermitente configura espécie de contrato com condição.
Isso porque a eficácia do contrato (trabalho/ contraprestação) fica condicionada a existência de trabalho a ser ofertado pelo empregador (evento futuro e incerto).
Na prática, estamos diante do livre e único arbítrio do empregador, que, exclusivamente, irá designar quando que o serviço será prestado, conforme § 1º do art. 452-A da CLT.
Ocorre que o próprio direito civil proíbe essa espécie de condição, dado que a expectativa de uma das partes fica completamente subordinada à vontade de uma das partes da relação.
Os civilistas chamam essa espécie de fenômeno de condição puramente potestativa.
O art. 122 do Código Civil, sobre o tema, esclarece o seguinte:
Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas (probididas) se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.
Note, portanto que o legislador, sob essa ótica, conseguiu entregar, no direito do trabalho (que tem natureza protetiva…), um direito ao empregador que não seria entregue sequer no direito civil.
Para solucionar esse problema, alguns doutrinadores apontam que o contrato de trabalho intermitente não seria dotado de condição, mas sim de um encargo.
Até porque o trabalhador poderia, em tese, recusar a oferta de trabalho (art. 452-A, § 2°, da CLT).
Entretanto, ainda que a lei fale que o empregado possa recusar a oferta, fato é que, na prática, sabemos que a margem de autonomia da vontade do empregado é bastante limitada.
As decisões do empregado estão subordinadas não apenas ao empregador, mas também a necessidade de obter a subsistência proveniente da remuneração que tem natureza alimentar.
É evidente que, nessa hipótese, não há livre manifestação de vontade do empregado.
A necessidade de salário e o perigo do desemprego, por exemplo, são condições que acabam influindo na livre manifestação de vontade do empregado.
Na prática, o empregado não tem poder de barganha (poder para negociação) e, por isso, não há livre manifestação de vontade do empregado.