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ToggleO aborto vem tipificado, de formas diferentes, nos arts. 124, 125 e 126 do Cรณdigo Penal.
O aborto poderรก ser praticado:
- Pela gestante (art. 124 do CP);
- Por terceiro
- SEM o consentimento da gestante (art. 125 do CP);
- COM o consentimento da gestante (art. 126 do CP).
Nos prรณximos tรณpicos, vou falar sobre cada um deles.
Antes de mais nada, vou falar o que hรก de comum em todos os crimes de aborto.
Elemento Subjetivo
Em todos os crimes de aborto impรตe-se a existรชncia de dolo e nรฃo hรก modalidade culposa.
Para o aborto nรฃo se impรตe a existรชncia de elemento subjetivo especรญfico (dolo especรญfico).
Isso significa que nรฃo se exige finalidade especรญfica ao agir.
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Consumaรงรฃo
A consumaรงรฃo se dรก com a morte do feto, ou seja, com a cessaรงรฃo da vida humana intrauterina.
Trata-se, portanto, de um crime material e que, portanto, exige resultado material (naturalรญstico).
Alรฉm disso, trata-se de crime que admite a tentativa.
Sujeito Passivo
O sujeito passivo serรก sempre o feto.
Objetos do Delito
O objeto jurรญdico serรก sempre a vida humana intrauterina.
O objetvo material serรก o feto.
Vale lembrar que o objeto material รฉ a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta penalmente relevante.
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
O primeiro tipo de aborto definido pela legislaรงรฃo รฉ o seguinte:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena – detenรงรฃo, de um a trรชs anos.
Provocar aborto em si mesma รฉ tambรฉm chamado de autoaborto.
A gestante tambรฉm responderรก na hipรณtese de consentir com o aborto.
Sujeitos do Delito (art. 124 do CP)
Apenas a gestante pode ser sujeito ativo desse crime.
Trata-se de crime de mรฃo prรณpria e, por isso, admite apenas participaรงรฃo (nรฃo admite coautoria).
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Aborto (Direito Penal): Resumo Completo
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Em um primeiro momento, รฉ estranho dizer que o aborto seria crime de mรฃo prรณpria, na medida em que, em tese, terceiro poderia responder, junto com a gestante e na condiรงรฃo de coautor, pela prรกtica do crime de abordo.
ร diferente, por exemplo, do crime de falso testemunho que tambรฉm รฉ crime de mรฃo prรณpria, mas รฉ evidente que apenas o agente pode praticar o verbo do tipo (mentir, calar a verdade, etc) e, por isso, admite apenas a participaรงรฃo (e.g. advogado aconselha testemunha a mentir).
Vocรช pode estar se perguntando: “entรฃo qual seria o motivo do crime de aborto ser crime de mรฃo prรณpria?“
Em verdade, o crime, aqui, รฉ de mรฃo prรณpria por opรงรฃo legislativa, jรก que, aquele que รฉ coautor do crime junto com a mรฃe responde por crime diverso, qual seja “provocar aborto com consentimento da gestante” (art. 126 do CP).
O legislador, entรฃo, optou por criar dois crimes em relaรงรฃo a mesma conduta penalmente relevante, sendo que a mรฃe responde por um (art. 124 do CP) e o suposto coautor responde por outro (art. 126 do CP).
Por isso, inclusive, fala-se que o crime de aborto configura exceรงรฃo a teoria monista.
Explico.
Jรก expliquei, na parte geral, que hรก teorias que visam explicar como autores e partรญcipes serรฃo punidos no caso concreto.
Duas sรฃo importantes aqui:
- Teoria unitรกria (ou teoria monista);
- Teoria pluralista.
Segundo a teoria unitรกria (ou teoria monista), autores e partรญcipes respondem pelo mesmo crime.
Essa รฉ a regra adotada pelo nosso Cรณdigo Penal.
Observe o que dispรตe o art. 29 do CP:
Art. 29 โ Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
Portanto, autores e partรญcipes respondem pelo mesmo crime, porรฉm cada um segundo a sua culpabilidade.
Contudo, o Brasil adota a teoria monista moderada, pois, excepcionalmente admite-se a teoria pluralista.
ร justamente esse o caso do aborto.
Adota-se, neste particular, a teoria pluralista.
Isso porque aquele que provoca o aborto com o consentimento responde pelo crime previsto no art. 126 do CP, ao passo que a mรฃe que deixa provocar o aborto com seu consentimento responde pelo art. 124 do CP.
Em outras palavras, cada um dos envolvidos responde por crime autรดnomo, sendo evidente, neste caso, a incidรชncia da teoria pluralista.
O sujeito passivo no aborto serรก sempre o prรณprio feto.
Aรงรฃo Nuclear Tรญpica
O nรบcleo (verbo) do tipo penal รฉ provocar ou consentir.
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentirque outrem lho provoque:
Lembro, por oportuno, que a doutrina chama a primeira parte do art. 124 do CP de autoaborto.
Provocar aborto com o consentimento da gestante
O aborto com consentimento vem previsto no art. 126 do CP que dispรตe o seguinte:
Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54)
Pena – reclusรฃo, de um a quatro anos.
Parรกgrafo รบnico. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante nรฃo รฉ maior de quatorze anos, ou รฉ alienada ou debil mental, ou se o consentimento รฉ obtido mediante fraude, grave ameaรงa ou violรชncia
Sujeitos do Delito
O sujeito ativo, aqui, serรก qualquer pessoa.
Por isso, trata-se de crime comum.
O sujeito passivo direto no aborto serรก sempre o prรณprio feto.
Aรงรฃo Nuclear Tรญpica
O nรบcleo (verbo) do tipo penal รฉ provocar.
Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54)
Pena – reclusรฃo, de um a quatro anos.
Aborto provocado sem o consentimento da gestante
Por fim, hรก o aborto SEM o consentimento da gestante.
Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusรฃo, de trรชs a dez anos.
Sujeitos do Delito
O sujeito ativo serรก qualquer pessoa.
Por isso, assim como art. 126 do CP, trata-se de crime comum.
O sujeito passivo direto no aborto serรก sempre o prรณprio feto.
Aรงรฃo Nuclear Tรญpica
O nรบcleo (verbo) do tipo, aqui, รฉ provocar.
Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusรฃo, de trรชs a dez anos.
Pontos importantes do aborto sem consentimento
ร importante lembrar que o menor de 14 anos รฉ compreendido pelo Direito Penal como vulnerรกvel e, por isso, incapaz de consentir.
O mesmo ocorre se a gestante รฉ alienada, dรฉbil mental ou se o consentimento รฉ obtido mediante fraude.
Por isso, o parรกgrafo รบnico do art. 126 do Cรณdigo Penal esclarece que aplica-se a pena do art. 125 do Cรณdigo Penal (aborto SEM consentimento…) se a gestante:
- Menor de 14 anos;
- ร alienada ou dรฉbil mental;
- O consentimento รฉ obtido mediante fraude.
Outro ponto importante รฉ NรO confundir o aborto sem consentimento da lesรฃo corporal qualificada pelo aborto.
Observe o que dispรตe o art. 129, ยง 2ยฐ, V, do CP:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saรบde de outrem:
ยง 2ยฐ Se resulta:
(…)
V – aborto:
A diferenรงa entre o aborto sem consentimento e a lesรฃo corporal com resultado aborto estรก justamente no dolo do agente.
O crime de lesรฃo corporal, aqui, รฉ preterdoloso.
โPreterโ significa alรฉm. Por isso, preterdoloso รฉ uma conduta dolosa que vai alรฉm do que o agente pretendia.
Tratando-se de crime cujo resultado vai alรฉm do seu querer, entรฃo, vocรช nรฃo tem dolo naquele resultado.
O resultado, em verdade, รฉ produto da culpa (e nรฃo do dolo).
Apenas a lesรฃo corporal รฉ produto do dolo.
O aborto, na lesรฃo corporal, รฉ produto da culpa, por isso, o crime รฉ preterdoloso.
A situaรงรฃo muda, evidentemente, na hipรณtese do agente agredir a vรญtima com o objetivo de provocar o aborto (e.g. derruba a gestante no chรฃo e chuta a barriga).
Nessa hipรณtese, pode-se falar em crime de aborto sem consentimento (art. 125 do CP).
Aliรกs, nessa hipรณtese, o agente responde com aumento de pena se ocorre a lesรฃo de natureza grave ou morte (art. 127 do CP).
Causas de Aumento de Pena
O art. 127 do CP, sobre o tema, dispรตe o seguinte:
Forma qualificada
Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores sรฃo aumentadas de um terรงo, se, em conseqรผรชncia do aborto ou dos meios empregados para provocรก-lo, a gestante sofre lesรฃo corporal de natureza grave; e sรฃo duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevรฉm a morte.
Muita atenรงรฃo, pois NรO se trata de forma qualificada, mas sim de causa de aumento de pena, muito embora conste no cรณdigo penal a expressรฃo “forma qualificada”.
Alรฉm disso, por evidente, as causas de aumento NรO se aplicam ao autoaborto (art. 124 do CP).
Atรฉ porque nรฃo faria sentido punir a gestante por autolesรฃo ou resultado morte.
Excludentes de Ilicitude
O art. 128 do CP destaca duas importantes excludentes de ilicitude do aborto:
Art. 128 – Nรฃo se pune o aborto praticado por mรฉdico:
Aborto necessรกrio
I – se nรฃo hรก outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto รฉ precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Observe, desde jรก, que tanto o aborto necessรกrio como o aborto no caso de gravidez resultante de estupro sรฃo abortos praticados por mรฉdico.
Vocรช pode estar pensando: “entรฃo apenas o mรฉdico pode atuar com essa excludente de ilicitude?“.
Para doutrina majoritรกria, nรฃo, pois seria possรญvel aplicar a analogia in bonam partem.
ร o caso, por exemplo, do aborto necessรกrio realizado por uma parteira.
O aborto necessรกrio (ou terapรชutico) decorre da necessidade de salvar a vida da gestante.
Note que nรฃo se confunde com o estado de necessidade.
O art. 24 do Cรณdigo Penal destaca que, para que ocorra o estado de necessidade, impรตe-se o “perigo atual“.
O aborto necessรกrio, contudo, nรฃo exige esse requisito.
Basta, para tanto, comprovar o risco a vida da gestante.
Pode-se demonstrar, por exemplo, que a gestante corre risco vida durante eventual parto.
A doutrina entende que, nessa hipรณtese, รฉ possรญvel o aborto, inclusive, sem o consentimento da gestante.
Imagine, por exemplo, que o mรฉdico, em procedimento de urgรชncia, precisa escolher entre salvar a vida da gestante e do feto.
Nesta hipรณtese, ainda que mรฃe diga para salvar a crianรงa, pode o mรฉdico optar por salvar a mรฃe e provocar, para tanto, o aborto sem consentimento e com respaldo no art. 128, I, do CP, tratando-se de excludente de ilicitude.
A segunda hipรณtese de excludente de ilicitude รฉ o aborto em razรฃo de gravidez proveniente de estupro (art. 128, II, do CP).
Fala-se, aqui, em aborto sentimental.
Nesta hipรณtese, diferente da primeira, exige-se o consentimento da gestante ou do seu representante legal.
Aborto de Feto Anencรฉfalo
A anencefalia รฉ um defeito do fechamento do tubo neural diagnosticรกvel com 100% de certeza e absolutamente incompatรญvel com a vida extrauterina.
O tema foi decidido por meio da ADPF 54 e, hoje, configura fato atรญpico e, por isso, descriminalizado.
ร preciso entender o motivo da decisรฃo…
Em primeiro lugar, a lei de transplantes define a morte encefรกlica como parรขmetro para retirada dos รณrgรฃos de forma definitiva.
O anencรฉfalo, neste cenรกrio, equipara-se aquele que รฉ constatado com morte encefรกlica.
Portanto, segundo essa tese, nรฃo configura objeto material do crime de aborto.
Lembro, por oportuno, que objeto material รฉ a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta penalmente relevante.
Observe o que dispรตe o art. 3ยบ da lei 9.434 (Lei de Transplantes)
Art. 3ยบ A retirada post mortem de tecidos, รณrgรฃos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverรก ser precedida de diagnรณstico de morte encefรกlica, constatada e registrada por dois mรฉdicos nรฃo participantes das equipes de remoรงรฃo e transplante, mediante a utilizaรงรฃo de critรฉrios clรญnicos e tecnolรณgicos definidos por resoluรงรฃo do Conselho Federal de Medicina.
Parte da doutrina, entende que esse argumento nรฃo รฉ adequado, pois o feto anencรฉfalo possui atividade cerebral vegetal.
Outro argumento guarda relaรงรฃo com a ADIN 3510.
O objetivo dessa ADIN era apontar se o art. 5 da lei de biosseguranรงa era constitucional ou nรฃo.
Observe o que diz o dispositivo:
Art. 5ยบ ร permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilizaรงรฃo de cรฉlulas-tronco embrionรกrias obtidas de embriรตes humanos produzidos por fertilizaรงรฃo in vitro e nรฃo utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condiรงรตes:
I โ sejam embriรตes inviรกveis; ou
II โ sejam embriรตes congelados hรก 3 (trรชs) anos ou mais, na data da publicaรงรฃo desta Lei, ou que, jรก congelados na data da publicaรงรฃo desta Lei, depois de completarem 3 (trรชs) anos, contados a partir da data de congelamento.
ยง 1ยบ Em qualquer caso, รฉ necessรกrio o consentimento dos genitores.
ยง 2ยบ Instituiรงรตes de pesquisa e serviรงos de saรบde que realizem pesquisa ou terapia com cรฉlulas-tronco embrionรกrias humanas deverรฃo submeter seus projetos ร apreciaรงรฃo e aprovaรงรฃo dos respectivos comitรชs de รฉtica em pesquisa.
ยง 3ยบ ร vedada a comercializaรงรฃo do material biolรณgico a que se refere este artigo e sua prรกtica implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nยบ 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.
Alguns doutrinares sustentavam, aqui, a inconstitucionalidade da norma, pois haveria, em tese, o crime de aborto em razรฃo de cรฉlulas-tronco embrionรกria obtidas de embriรตes humanos.
Entretanto, por controle concentrado de constitucionalidade\, ficou consignado que nรฃo hรก aborto quando nรฃo hรก potencialidade do embriรฃo vir a ser humano.
O aborto, nesse contexto, teria o objetivo de proteger a vida intrauterina com potencial de vir a ser pessoa humana.
Como, para o feto anencรฉfalo, a vida extrauterina รฉ absolutamente inviรกvel, nรฃo haveria esta possibilidade e, portanto, a retirada do รบtero nรฃo configura aborto.
Inclusive, os mais modernos nรฃo falam em aborto, mas antecipaรงรฃo terapรชutica de parto.
Este foi o principal argumento da Procuradora Geral da Republica para dizer que a retirada do feto anencรฉfalo nรฃo configura sequer fato tรญpico.
Portanto, hoje, em razรฃo da ADPF 54, o aborto de feto anencรฉfalo รฉ considerado fato atรญpico e, portanto, nรฃo constitui crime.