Feminicídio (Lei 14.994/2024)

O feminicídio foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro em 2015, por meio da Lei nº 13.104/2015, como uma qualificadora do homicídio, prevista no artigo 121, §2º, inciso VI, do Código Penal. Essa qualificadora estabelecia uma pena mais severa para homicídios praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.

Anteriormente, o feminicídio era considerado uma circunstância qualificadora do homicídio, com pena de reclusão de 12 a 30 anos. A caracterização do feminicídio dependia de dois elementos principais:

  • Violência doméstica e familiar: quando o crime era cometido por alguém com quem a vítima possuía relação íntima de afeto.
  • Menosprezo ou discriminação à condição de mulher: crimes motivados por misoginia ou discriminação de gênero.

A Lei nº 14.994/2024 promoveu significativas alterações no tratamento jurídico do feminicídio, destacando-se:

  • Tipificação Autônoma do Feminicídio: O feminicídio deixou de ser uma qualificadora do homicídio e passou a ser um crime autônomo, previsto no artigo 121-A do Código Penal. Artigo 121-A: “Comete feminicídio quem mata uma mulher por razões da condição de sexo feminino.”
  • Aumento da Pena: A pena para o feminicídio foi elevada para reclusão de 20 a 40 anos, tornando-se uma das mais severas do ordenamento penal brasileiro.

Elementos Constitutivos do Novo Crime de Feminicídio

a) Sujeito Passivo

Exclusivamente a mulher, compreendendo:

  • Mulheres cisgênero.
  • Mulheres transgênero que se identificam como do sexo feminino.

b) Razões da Condição de Sexo Feminino

Definidas no parágrafo 1º do artigo 121-A:

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  • I – Violência Doméstica e Familiar: Inclui relações de convivência, afetivas ou de coabitação, conforme definido na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).
  • II – Menosprezo ou Discriminação à Condição de Mulher: Abrange crimes motivados por misoginia, sexismo ou aversão ao gênero feminino.

Causas de Aumento de Pena

O parágrafo 2º do artigo 121-A estabelece circunstâncias que aumentam a pena de um terço até a metade:

  • I – Gestação ou Pós-parto: Se o crime é cometido durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto.
  • II – Vítima Vulnerável: Se a vítima é menor de 14 anos, maior de 60 anos ou possui deficiência ou doença degenerativa que acarrete condição limitante.
  • III – Presença de Ascendentes ou Descendentes: Se o crime é cometido na presença física ou virtual de pais, avós, filhos ou netos da vítima.
  • IV – Descumprimento de Medidas Protetivas: Se o crime ocorre em violação às medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do artigo 22 da Lei Maria da Penha.
  • V – Emprego de Meios Cruéis ou Recursos que Dificultem a Defesa da Vítima: Inclui situações previstas nos incisos III, IV e VIII do §2º do artigo 121, como asfixia, tortura, emboscada, entre outros.

Comunicações Circunstanciais no Concurso de Pessoas

O parágrafo 3º do artigo 121-A dispõe:

“Comunica-se ao coautor ou partícipe as circunstâncias e condições pessoais da vítima previstas no parágrafo 1º deste artigo.”

Isso significa que, em casos de concurso de pessoas, as circunstâncias que qualificam o feminicídio serão estendidas aos coautores ou partícipes, mesmo que não possuam relação direta com a vítima.

Alterações em Outros Dispositivos Legais

Para fins didáticos, é interessante apontar que a lei 14.994/2024 fez uma série de alterações legislativas para proteger a mulher. Vou apontar cada uma delas aqui.

a) Lesão Corporal (Artigo 129 do Código Penal)

  • Parágrafo 9º: Aumentou-se a pena para lesões corporais no contexto de violência doméstica, passando de detenção de 3 meses a 3 anos para reclusão de 2 a 5 anos.
  • Parágrafo 13: Lesão corporal contra a mulher por razões da condição de sexo feminino também passou a ter pena de reclusão de 2 a 5 anos.

b) Contravenção Penal de Vias de Fato (Artigo 21 da Lei de Contravenções Penais)

  • Inserção do parágrafo 2º, triplicando a pena se a contravenção for praticada contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.

c) Crimes Contra a Honra (Artigo 141 do Código Penal)

  • Parágrafo 3º: As penas de calúnia, difamação e injúria são aplicadas em dobro se o crime for praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.

d) Crime de Ameaça (Artigo 147 do Código Penal)

  • Parágrafo 1º: A pena é aplicada em dobro quando a ameaça é contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.
  • Parágrafo 2º: Nessa hipótese, a ação penal passa a ser pública incondicionada, não dependendo mais da representação da vítima.

Impactos Processuais

a) Ação Penal Pública Incondicionada

Com a alteração no crime de ameaça, quando praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, a ação penal é pública incondicionada, permitindo que o Estado prossiga com a ação mesmo sem a representação da vítima.

b) Competência

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Os crimes de feminicídio são julgados pelo Tribunal do Júri, conforme o artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal.

Aplicação Temporal da Lei

As alterações trazidas pela Lei nº 14.994/2024 representam uma novatio legis in pejus, ou seja, uma nova lei mais gravosa. Portanto, aplicam-se apenas aos crimes cometidos após sua entrada em vigor, respeitando o princípio da irretroatividade da lei penal mais severa, conforme o artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal.

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