Características do Inquérito Policial (Processo Penal): Resumo Completo

São características do inquérito policial a:

  1. Inquisitoriedade;
  2. Discricionário;
  3. Sigiloso;
  4. Escrito;
  5. Temporário;
  6. Unidirecional;
  7. Indisponível;
  8. Dispensável;

Nos próximos tópicos, vou falar sobre cada uma das características.

Inquisitoriedade

O inquérito, em primeiro lugar, é um procedimento inquisitivo.

Fala-se, aqui, em inquisitoriedade.

Isso significa que há concentração de poder em uma autoridade única, motivo pelo qual, como consequência e via de regra, não há contraditório e ampla defesa.

É preciso, contudo, destacar a prerrogativa do advogado como elemento que pode relativizar/ mitigar a inquisitoriedade.

Observe o que dispõe, por exemplo, o inciso XXI do art. 7° do estatuto da OAB (Lei 8.906):

Art. 7º São direitos do advogado:

(…)

XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos;

Note que o advogado, portanto, pode formular razões e quesitos.

É importante destacar que, por ser inquisitivo, pode o investigado comparecer sozinho e ser ouvido sozinho sem que isso caracterize, automaticamente, a nulidade do interrogatório ou depoimento.

O que a lei destaca, em verdade, é que o advogado pode e, se solicitado, deve estar presente, pois é direito do advogado assistir seu cliente, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento.

Parece evidente que a ideia principal do legislador é afastar o autoritarismo de certas autoridades policiais que impedem a participação do advogado e, como consequência, prejudicam muito a aplicação da legislação da forma adequada, ferindo, em última análise, direitos fundamentais e estruturantes do Estado Democrático de Direito.

Isso, contudo, não se confunde com a falta de defesa técnica DURANTE o processo penal.

É o que ocorre, por exemplo, diante do interrogatório judicial (realizado pelo magistrado) sem a presença de advogado.

Trata-se de situação que tem aptidão para gerar nulidade absoluta por ausência técnica.

Sobre o tema, observe o que dispõe o art. 185, caput, do CPP e a súmula 523 do STF:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presençade seu defensor, constituído ou nomeado.

Súmula 523 do STF: No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

Uma novidade importante introduzida pelo pacote anticrime é o art. 14-A do CPP.

Observe o que determina o art. 14-A do CPP:

Art. 14-A. Nos casos em que servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da Constituição Federal figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o indiciado poderá constituir defensor.

§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado (o correto é intimação)da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação.

§ 2º Esgotado o prazo disposto no § 1º deste artigo com ausência de nomeação de defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, indique defensor para a representação do investigado.

§ 3º (VETADO).

§ 4º (VETADO).

§ 5º (VETADO).

§ 3º Havendo necessidade de indicação de defensor nos termos do § 2º deste artigo, a defesa caberá preferencialmente à Defensoria Pública, e, nos locais em que ela não estiver instalada, a União ou a Unidade da Federação correspondente à respectiva competência territorial do procedimento instaurado deverá disponibilizar profissional para acompanhamento e realização de todos os atos relacionados à defesa administrativa do investigado.

§ 4º A indicação do profissional a que se refere o § 3º deste artigo deverá ser precedida de manifestação de que não existe defensor público lotado na área territorial onde tramita o inquérito e com atribuição para nele atuar, hipótese em que poderá ser indicado profissional que não integre os quadros próprios da Administração.

§ 5º Na hipótese de não atuação da Defensoria Pública, os custos com o patrocínio dos interesses dos investigados nos procedimentos de que trata este artigo correrão por conta do orçamento próprio da instituição a que este esteja vinculado à época da ocorrência dos fatos investigados.

§ 6º As disposições constantes deste artigo se aplicam aos servidores militares vinculados às instituições dispostas no art. 142 da Constituição Federal, desde que os fatos investigados digam respeito a missões para a Garantia da Lei e da Ordem.

Na prática, então, temos o seguinte…

Na hipótese do investigado ser servidor vinculado as forças policiais do art. 144 da CF e a investigação guarde relação com fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, deve a autoridade policial:

  1. Intimar o investigado para constituir advogado em 48h;
  2. Intimar a instituição do investigado para constituir advogado em 48h, apenas na hipótese do investigado não constituir advogado no prazo legal.

Na hipótese da instituição constituir advogado, dá-se preferência à Defensoria Pública ou, se não houver no local, deverá a União ou Unidade da Federação correspondente disponibilizar profissional para acompanhar a realização de todos os atos relacionados à defesa do investigado (art. 14-A, § 3º, do CPP).

Ainda no âmbito da inquisitoriedade, é preciso destacar que há situações especiais em que se regulam inquéritos com a presença de contraditório e ampla defesa.

É o caso, por exemplo, do inquérito para expulsão do estrangeiro.

É o que disciplina o art. 58 da lei de migração (lei 13.445/2017):

Art. 58. No processo de expulsão serão garantidos o contraditório e a ampla defesa.

Procedimento discricionário

O inquérito policial é um procedimento administrativo preliminar.

Similar ao procedimento administrativo, portanto, é constituído por atos administrativos.

Já estudamos a classificação dos atos administrativos no curso de Direito Administrativo Desenhado.

Lá, verificamos que, quanto a margem de liberdade, os atos administrativos poder ser:

  1. Vinculados: Não há margem de liberdade. O agente, então, apenas executa a vontade da lei;
  2. Discricionários: Há certa margem de liberdade resguardada pela lei ao agente público.

A discricionariedade, então, guarda relação com a certa margem de liberdade dentro do âmbito de conveniência e oportunidade delimitado pela legislação.

Não se trata de arbitrariedade, pois há uma delimitação clara do legislador em relação ao âmbito de liberdade/ escolha do agente público.

Eventual previsibilidade do inquérito policial poderia reduzir drasticamente a eficiência do procedimento.

Por isso, cada delegado conduz o inquérito de uma forma particular coma sua própria estratégia de investigação.

Aliás, também por isso não há, no inquérito policial, um rito predefinido em lei.

O delegado, então, atua com margem de conveniência e oportunidade, alinhando o inquérito ao crime investigado.

Essa discricionariedade, repise-se, não significa arbitrariedade.

O Código de Processo Penal, por exemplo, elenca, de forma exemplificativa, diligências necessárias nos art. 6° e 7° do CPP.

Tudo com o objetivo de melhorar o desenvolvimento do inquérito policial.

Em acréscimo, o art. 13-A e 13-B do CPP também aponta diligências complementares, contudo, apenas nos crimes relacionados ao tráfico de pessoas.

Em razão da discricionariedade, pode o delegado deixar de atender diligência solicitada pela vítima/ ofendido ou pelo investigado.

Aliás, é o dispõe o art. 14 do CPP:

Art. 14.  O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.

Contudo, está sempre obrigado a atender o pedido de exame de corpo de delito na hipótese do crime deixar vestígios (crime não transeunte).

O exame de corpo de delito, nessa hipótese, decorre de imposição normativa.

Sobre o tema, observe o que dispõe o art. 158 do CPP:

Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Em tese, não há, na lei, instrumento para impugnar eventual negativa, por parte do delegado de polícia, da realização do exame de corpo de delito.

Entretanto, tem-se defendido, na doutrina, que a negativa da autoridade policial, nesse caso, admite o recurso administrativo ao chefe de Polícia.

Essa lógica é extraída, por analogia, do art. 5°,  § 2° , do CPP.

Art. 5°  Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

I – de ofício;

II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

(….)

§ 2°  Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.

É importante destacar que, ainda que inexista vínculo hierárquico entre juiz, promotor e delegado de polícia, as requisitos realizadas pelo Ministério Público ou pelo juiz devem ser cumpridas por imposição normativa.

É o dispõe o art. 13, II, do CPP:

Art. 13.  Incumbirá ainda à autoridade policial:

(…)

II –  realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;

Procedimento Sigiloso

Segundo o art. 20 do CPP, “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade“.

O inquérito policial, então, nasce como um procedimento sigiloso para desvendar o fato criminoso com maior eficiência.

Eventual publicidade poderia, em um primeiro momento, reduzir a eficácia e afastar o objetivo do inquérito policial.

Neste cenário, é responsabilidade do delegado garantir o sigilo do inquérito policial para aumentar sua eficiência.

Aliás, em razão do sigilo e também do princípio da presunção de inocência, no atestado de antecedentes criminais NÃO se pode mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito.

É o que esclarece o parágrafo único do art. 20 do CPP:

Art. 20.  (…)

(…)

Parágrafo único.  Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes.

A doutrina classifica o sigilo do inquérito policial em:

  1. Sigilo externo: trata-se do sigilo em relação ao terceiro desinteressado (e.g. imprensa);
  2. Sigilo interno: trata-se do sigilo em relação aos atores da persecução penal.

Em relação ao sigilo interno, é evidente que não se trata do sigilo do inquérito policial em relação ao magistrado ou ao membro do Ministério Público.

Tal ideia sequer faria sentido na prática…

O sigilo interno, então, de forma bastante evidente, aplica-se ao suspeito e ao advogado.

Contudo, é preciso, neste particular, examinar as prerrogativas do advogado.

Observe o que dispõe o art. 7, XIV, do Estatuto da OAB (Lei 8.906):

Art. 7º São direitos do advogado:

(…)

XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;

Observe que o advogado pode, inclusive, “copiar peças e tomar apontamentos“.

No mesmo sentido, esclarece a súmula vinculante 14 o seguinte:

Súmula Vinculante 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

Observe que o advogado tem o direito de acessar aquilo que já foi documentado e diz respeito ao exercício do direito de defesa.

Aquilo que está em andamento ou que ainda não aconteceu mantém o caráter sigiloso.

A autoridade policial que impede o acesso do advogado, neste cenário, comete crime de abuso de autoridade.

Aliás, a obstaculização, aqui, pode ser inclusive implícita.

É o que ocorre, por exemplo, quando entrega-se ao advogado o acesso ao inquérito policial incompleto, ou seja, sem elementos que, embora já produzidos, não foram, intencionalmente, anexados ao inquérito policial.

E aqui, vale relembrar um ponto…

No começo desse artigo, eu esclareci que inquérito policial tem o objetivo de apurar a autoria, materialidade e as circunstâncias do crime.

Esclareci, também,  que há uma finalidade acidental do inquérito policial. Trata-se de alcançar justa causa para adoção de medidas cautelares.

Pois bem…

Dentro dessas medidas cautelares, é possível obter a prisão preventiva do investigado.

Por isso, ante a negativa do acesso pelo advogado ao inquérito policial nos termos da lei, admite-se a interposição de habeas corpus em razão do risco acidental de prisão do investigado (prisão decorrente de medida cautelar).

Fala-se, aqui, em habeas corpus profilático.

Mas não é só isso…

O advogado também poderá utilizar:

  1. Mandado de Segurança em razão da violação de direito liquido e certo do advogado;
  2. Petição simples ao juiz das garantias.

Em relação ao sigilo, ainda, tem-se que o legislador resguardou especial atenção ao ofendido/ vítima do crime.

Observe o que dispõe o art. 201, § 6°, do CPP:

Art. 201.  Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.

(…)

§ 6°  O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.

Portanto, o juiz pode decretar o segredo de justiça com o objetivo de preservar a vítima nos seguintes bens jurídicos:

  1. Intimidade;
  2. Vida privada;
  3. Honra;
  4. Imagem.

Procedimento Escrito

No inquérito policial prioriza-se a forma documental.

Eventuais atos produzidos oralmente devem ser reduzidos a termo.

É o que disciplina o art. 9° do CPP:

Art. 9° Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.

Observe que deve o delegado rubricar TODAS as laudas, conferindo autenticidade.

Procedimento Temporário

O inquérito policial é um procedimento temporário porque tem prazos definidos pela lei para ser concluído.

Esses prazos variam de acordo com a situação do indiciado (preso ou solto) e com a natureza do crime (comum ou militar).

O inquérito policial, em relação ao tempo, está delimitado pelo art. 10 e art. 3°-B, VIII e § 2° do CPP.

Também há prazos delimitados pela legislação especial.

Procedimento Unidirecional

A doutrina mais tradicional compreende que o inquérito policial é direcionado ao titular da ação, pois ele é detentor da opinião delitiva.

Por isso, o procedimento seria unidirecional.

Há, contudo, doutrinadores que divergem dessa posição.

Esses doutrinadores entendem que o procedimento é bidirecional, pois os interesses da defesa NÃO podem ser negligenciados.

Há quem defenda, ainda, que o inquérito policial é um procedimento unidirecional porque tem a única finalidade de apurar a autoria e a materialidade delitiva, sem emitir juízo de valor sobre a investigação.

Isso significa que o inquérito policial não é um instrumento de acusação ou defesa, mas apenas de informação.

Procedimento Indisponível

Sobre o tema, observe o que ensina o art. 17 do Código de Processo Penal:

Art. 17.  A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.

O texto é bastante claro…

Não cabe ao delegado, em nenhuma hipótese, determinar o arquivamento do inquérito policial.

Por isso, toda e qualquer investigação iniciada deverá ser concluída e, ato contínuo, encaminhada à autoridade competente.

A função de requerer o arquivamento do inquérito compete ao Ministério Público com posterior decisão do Juiz.

Procedimento Dispensável

O inquérito policial é considerado um procedimento dispensável pela doutrina para fins de instauração de ação penal e consequente responsabilização do agente pela prática de infração penal.

Isso significa que o Ministério Público pode embasar a denúncia em elementos informativos idôneos sem a necessidade do inquérito policial.

Embora a maioria da doutrina considere o inquérito policial como um procedimento dispensável para fins de instauração de ação penal e consequente responsabilização do agente pela prática de infração penal, há doutrinadores que defendem a indispensabilidade do inquérito policial (posição minoritária).

Isso porque o inquérito policial seria, como regra, instaurado, servindo, ainda, como parâmetro para o ajuizamento da grande maioria das ações penais.

Para essa doutrina, o inquérito policial é considerado uma importante ferramenta de proteção dos direitos fundamentais e produção de elementos informativos e probatórios.

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