Inquérito Policial: Valor Probatório, Vícios e Irregularidades

Valor Probatório do Inquérito Policial

O valor probatório do inquérito policial é um tema controverso na doutrina e na jurisprudência.

Como já observamos anteriormente, o inquérito policial é um procedimento administrativo que visa apurar a autoria e a materialidade de uma infração penal, fornecendo elementos de informação ao Ministério Público ou ao ofendido para o oferecimento da denúncia ou da queixa.

Por ser um procedimento inquisitivo, sigiloso e presidido pela autoridade policial, o inquérito policial não observa os princípios do contraditório e da ampla defesa, garantidos aos acusados em geral pela Constituição Federal.

Por isso, muitos autores afirmam que o inquérito policial não possui valor probatório nenhum, mas apenas valor informativo ou indiciário.

Entretanto, há quem defenda que o inquérito policial possui algum valor probatório relativo ou subsidiário, especialmente em relação às provas periciais e documentais que são produzidas com base em critérios técnicos e científicos.

Na doutrina, esse é o entendimento predominante.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que as provas colhidas no inquérito policial podem ser utilizadas para fundamentar uma decisão judicial, desde que corroboradas por outras provas produzidas sob o contraditório judicial.

Aliás, é o que dispõe o art. 155, caput, do CPP:

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Por isso, a doutrina separa:

  1. Elementos de investigação: produzidos no âmbito do inquérito policial, de forma inquisitiva e sem contraditório e ampla defesa. Podem fundamentar o ajuizamento da ação (denúncia/ queixa) ou adoção de medidas cautelares, mas não podem, de forma isolada, fundamentar a condenação do investigado;
  2. Elementos de prova: produzidos perante o juiz competente com respeito ao contraditório e ampla defesa. Podem fundamentar a condenação.

Aqui, o operador do direito precisa ter especial atenção…

Observe que falamos em “condenação”.

Tudo isso muda quando falamos em elementos que fundamentam a absolvição do acusado.

Isso porque vigora o princípio do in dubio pro reo.

Com base nesse princípio, a absolvição, diferente da condenação, pode ser amparada em elementos de investigação e, inclusive em prova ilícita.

Em paralelo aos elementos de investigação e aos elementos de prova, a doutrina trabalha ainda com um terceiro elemento muito importante: os elementos migratórios.

Elementos migratórios são aqueles que são colhidos no inquérito policial e que podem ser usados como base para uma eventual condenação na fase judicial.

Eles são chamados assim porque migram do inquérito para o processo, sem perder o seu valor probatório.

Isso significa que, diferente dos elementos de investigação, tais provas, embora produzidas no âmbito do inquérito policial, PODEM fundamentar uma decisão de condenação.

Existem três tipos de elementos migratórios:

  1. Provas irrepetíveis;
  2. Provas antecipadas;
  3. Provas cautelares.

Observe que o próprio art. 155 do CPP faz a ressalva desses elementos na parte final:

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

É importante destacar que quando migram para o processo, tais elementos deverão ser submetidos ao contraditório e ampla defesa.

Por isso, a doutrina fala que, nesse particular, o contraditório/ ampla defesa é diferido (ou postergado).

As provas irrepetíveis são aquelas que se perdem com o tempo ou que não podem ser reproduzidas em juízo, como a constatação da embriaguez ou o exame de corpo de delito.

Em paralelo, as provas antecipadas são aquelas que são produzidas antes do processo, por risco de perecimento ou urgência, como, por exemplo, o depoimento de testemunhas ameaçadas ou enfermas.

A produção de provas antecipadas ocorre por meio do incidente de produção antecipada de provas.

Tal incidente é instaurado perante o juiz.

Por fim, as provas cautelares são aquelas que visam garantir a eficácia da futura ação penal, como a interceptação telefônica ou a busca e apreensão.

Vícios ou Irregularidades do Inquérito Policial

Os vícios ou irregularidades do inquérito policial nascem, basicamente, do descumprimento da lei ou do descumprimento de princípios constitucionais.

A primeira consequência possível é a avocatória por despacho motivado do chefe de polícia.

A avocação é um ato administrativo do chefe de polícia que decorre do Poder Hierárquico.

  • Dica: nos estudamos o poder hierárquico da Administração Pública quando estudamos os Poderes da Administração no (Curso de Direito Administrativo Desenhado).

Sobre o tema, observe o que dispõe o art. 2°, § 4º, da lei 12.830/2013:

Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

(…)

§ 4º O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

Também é efeito do vício/ irregularidade do inquérito policial

Eles podem gerar trancamento ou nulidade do próprio inquérito policial.

É importante destacar, contudo, que tais vícios/ irregularidades não contaminam o processo penal.

Até porque o inquérito é, como já observamos anteriormente, dispensável, ou seja, o processo penal pode existir sem o inquérito policial.

Por isso, a doutrina fala que os vícios do inquérito policial restringem-se ao próprio inquérito policial, ou seja, são vícios endoprocedimentais.

Excepcionalmente, contudo, o vício poderá atingir o processo penal, quando a denúncia tem amparo EXCLUSIVAMENTE no Inquérito Policial.

Nessa hipótese deve o magistrado rejeitar a denúncia por falta de justa causa.

Vale dizer que ter justa causa, no processo penal, significa ter suporte probatório mínimo que indica a legitimidade da imputação.

Em outras palavras, justa causa significa que há elementos sérios e idôneos que demonstram a materialidade do crime e de indícios razoáveis de autoria.

Na hipótese da inicial (e.g. denúncia) estar amparada exclusivamente nos elementos do inquérito policial, tem-se que a contaminação do inquérito pode, excepcionalmente, migrar para o processo penal e, como consequência, gerar a rejeição da denúncia por ausência de justa causa.

É o que dispõe o art. 395, III, do CPP:

Art. 395.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

(…)

III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Na hipótese do magistrado, contudo, já ter recebido a denúncia, tal processo será nulo.

Pode o advogado, nessa hipótese, impetrar habeas corpus com o objetivo de trancar o processo.

Sobre o tema, observe o que dispõe os art. 647 e 648, I, do CPP:

Art. 647.  Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Art. 648.  A coação considerar-se-á ilegal:

I – quando não houver justa causa;

(…)

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