Prisão Preventiva (Processo Penal)

A Prisão Preventiva é a medida cautelar pessoal mais gravosa no ordenamento jurídico brasileiro. Por restringir a liberdade antes de uma condenação definitiva, sua aplicação é excepcional, regida pelo princípio constitucional da presunção de inocência (Art. 5º, LVII, CF/88). As alterações promovidas pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime) redefiniram os contornos deste instituto, buscando alinhá-lo a um sistema penal acusatório e garantista.

1. Conceito, Natureza Jurídica e Subsidiariedade

A prisão preventiva é uma prisão cautelar (provisória) decretada pela autoridade judicial competente durante a investigação policial ou a ação penal. Não é uma antecipação de pena. Sua finalidade é instrumental: proteger o processo, a investigação ou a sociedade de riscos concretos.

Sua principal característica é a subsidiariedade. Conforme o Art. 282, § 6º do CPP, a prisão preventiva é a ultima ratio (última opção). Ela só será aplicada quando as outras medidas cautelares diversas da prisão (Art. 319 do CPP – como monitoramento eletrônico, fiança, recolhimento domiciliar, etc.) se mostrarem inadequadas ou insuficientes para o caso concreto.

2. A Revolução do Pacote Anticrime: O Fim da Atuação de Ofício

A mudança mais estrutural trazida pelo Pacote Anticrime foi o reforço do sistema acusatório, separando rigidamente as funções de acusar e julgar.

A nova redação dos artigos 282, §2º e 311 do CPP determina que o juiz NÃO pode mais decretar a prisão preventiva por iniciativa própria (ex officio), nem durante a investigação, nem durante o processo judicial.

A decretação depende obrigatoriamente de:

  • Requerimento do Ministério Público (MP), do querelante ou do assistente de acusação;
  • Representação da autoridade policial (Delegado de Polícia).

A Conversão do Flagrante na Audiência de Custódia

Essa mudança impactou diretamente a Audiência de Custódia. Quando o juiz analisa a prisão em flagrante (Art. 310, CPP), ele não pode “converter” o flagrante em preventiva por conta própria. Para que a prisão preventiva seja decretada nesse momento, é indispensável que haja prévio requerimento do MP ou representação policial. Sem pedido, a liberdade provisória (com ou sem cautelares) deve ser concedida.

3. Os Requisitos Fundamentais (Art. 312 do CPP)

Para a decretação da prisão preventiva, é necessária a conjugação de dois pressupostos clássicos e a observância de novos requisitos.

A. Fumus Commissi Delicti (Fumaça da Prática do Delito)

Consiste na prova da existência do crime (materialidade) e em indícios suficientes de autoria. Não se exige certeza absoluta, mas elementos concretos que apontem o investigado como provável autor.

B. Periculum Libertatis (Perigo da Liberdade)

É o risco concreto que a liberdade do agente representa. O Pacote Anticrime reforçou este requisito ao exigir a demonstração do “perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”. Esse perigo deve se manifestar em uma das seguintes hipóteses:

  1. Garantia da Ordem Pública: Associado ao risco real de reiteração delitiva, à periculosidade concreta do agente e à gravidade concreta do crime (modus operandi).
    • Jurisprudência (STF/STJ): É pacífico que a gravidade abstrata do delito (ex: dizer que “homicídio é grave”) não é fundamento idôneo para a prisão.
  2. Garantia da Ordem Econômica: Aplicável em crimes que afetam gravemente o sistema financeiro ou a economia.
  3. Conveniência da Instrução Criminal: Quando a liberdade do agente ameaça a coleta de provas (ex: ameaça a testemunhas, destruição de documentos).
  4. Assegurar a Aplicação da Lei Penal: Quando há risco concreto e iminente de fuga. Meras suposições de fuga não são suficientes.
  5. Descumprimento de Medidas Cautelares (Art. 312, §1º): Se o agente já estava submetido a outras medidas cautelares e as descumpriu injustificadamente.

C. O Requisito da Contemporaneidade (Art. 312, § 2º)

A prisão preventiva exige urgência. O perigo deve ser recente, atual ou contemporâneo. A decisão deve ser motivada com base na existência concreta de fatos novos ou contemporâneos. Fatos muito antigos, que não demonstram um risco presente, não justificam a decretação da prisão preventiva hoje.

4. Condições de Admissibilidade (Art. 313 do CPP)

Além dos requisitos do Art. 312, a prisão preventiva só é cabível em situações específicas:

I. Crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos. II. Se o agente for reincidente em crime doloso (condenação transitada em julgado). III. Se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. IV. Quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa (a prisão deve durar apenas o tempo necessário para a identificação).

5. A Fundamentação da Decisão (Art. 315 do CPP)

O Pacote Anticrime também endureceu os requisitos formais da decisão judicial. O Art. 315 do CPP estabelece que a decisão será sempre motivada e fundamentada com base em elementos concretos do caso.

Não se considera fundamentada a decisão que:

  • Limitar-se à indicação ou reprodução do texto legal.
  • Empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência (ex: dizer apenas “para garantir a ordem pública”).
  • Invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão (argumentos genéricos).

6. A Revisão Periódica Obrigatória (Art. 316, Parágrafo Único)

Para evitar o prolongamento indefinido de prisões provisórias, o Art. 316, parágrafo único, determina que o órgão emissor da decisão deve revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, de ofício, mediante decisão fundamentada, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Interpretação do STF (ADIs 6581 e 6582):

  • Não há Revogação Automática: O simples transcurso do prazo de 90 dias sem a revisão não libera o preso automaticamente.
  • Dever de Reavaliar: O descumprimento do prazo torna a prisão ilegal e obriga o juízo competente (aquele que está julgando o caso no momento) a reavaliar imediatamente a situação. Caso a revisão de ofício não ocorra, a defesa deve provocar o juízo para que se manifeste.

7. Destaques Jurisprudenciais (STF e STJ – 2025)

  • Atos Infracionais e Periculosidade: O STJ entende que um histórico robusto de atos infracionais pretéritos (quando adolescente), embora não configure reincidência técnica, pode demonstrar periculosidade concreta e justificar a preventiva para garantia da ordem pública.
  • Organizações Criminosas: A necessidade de interromper as atividades de organizações criminosas é fundamento idôneo para a garantia da ordem pública, mas exige a demonstração do vínculo estável do agente e da sua função na estrutura.
  • Pequena Quantidade de Droga: Em casos de tráfico envolvendo pequena quantidade de entorpecentes, a tendência é a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, salvo se demonstrada alta periculosidade ou reiteração delitiva habitual.
  • Tendências Legislativas (2025): Observa-se em 2025 um movimento legislativo que busca maior rigor na concessão de liberdade provisória em audiências de custódia, com projetos de lei tentando objetivar critérios para a decretação da preventiva em casos de reiteração delitiva. Tais projetos são debatidos sob a ótica de sua constitucionalidade frente aos avanços garantistas do Pacote Anticrime.
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