Competência em Razão da Pessoa (“ratione personae”) – Processo Penal

Na prática, não se trata de definir a competência pela pessoa, mas sim em razão da FUNÇÃO que a pessoa exerce.

Fala-se, por isso, em foro por prerrogativa de função.

O foro por prerrogativa de função, também conhecido como “foro privilegiado”, é um instituto que permite que determinadas autoridades, em virtude do cargo ou função que exercem, sejam processadas e julgadas, originariamente, pelos tribunais de 2º grau, tribunais superiores ou, até mesmo, pelo Supremo Tribunal Federal, nos casos estabelecidos na Constituição Federal.

Ele existe porque se entende que, em virtude de determinadas pessoas ocuparem cargos ou funções importantes e de destaque, somente podem ter um julgamento imparcial e livre de pressões se forem julgadas por órgãos colegiados que componham a cúpula do Poder Judiciário.

Em tese, portanto, o foro por prerrogativa de função visa garantir a imparcialidade, além de dissipar a pressão do julgamento de uma autoridade.

O termo “foro privilegiado” é bastante criticado por parte da doutrina, pois remete a ideia de quebra de isonomia.

Para o STF (Ação Penal 937), a aplicação do foro por prerrogativa de função depende de dois requisitos:

  1. Temporalidade o crime deve ser praticado durante o desempenho da função;
  2. Funcionalidade: o crime praticado deve ter relação com a função.

Isso significa que, se uma autoridade cometer um crime que não tenha relação com suas funções, ela será julgada pela justiça comum, como qualquer outro cidadão.

Além disso, é interessante notar que quando uma autoridade com foro por prerrogativa de função comete um crime que tem conexão com outro crime cometido por uma pessoa sem foro por prerrogativa de função, ambos os crimes podem ser julgados pelo tribunal competente para julgar a autoridade com foro por prerrogativa de função.

Isso ocorre porque, de acordo com o princípio da conexão, quando dois ou mais crimes estão relacionados, eles devem ser julgados pelo mesmo juízo, a fim de garantir uma decisão mais justa e coerente.

O problema, segundo parte da doutrina, é que tal atração violaria o juiz natural e a ampla defesa daquele que NÃO tem foro por prerrogativa.

Isso porque aquele que não tem foro por prerrogativa perde, em parte, o duplo grau de jurisdição.

Contudo, o STF, por meio da Súmula 704, disciplinou justamente o contrário:

Súmula 704 do STF: “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal, a atração, por continência ou conexão, do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”

Ainda em relação ao foro por prerrogativa de função, é importante observar que, segundo o STF (ADI 6512 e 6513) o Estado não pode, na Constituição Estadual, conferir foro por prerrogativa de função no respectivo Tribunal de Justiça à autoridades SEM SIMETRIA com a Constituição Federal.

Também é importante destacar que a competência dos Tribunais de Justiça (TJ) e dos Tribunais Regionais Federais (TRF) para julgar crimes é limitada pela competência dos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) para julgar crimes eleitorais.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm competência para julgar infrações eleitorais, além de outras infrações.

Além disso, autoridades com foro por prerrogativa no TJ ou TRF, ao praticar crime fora do Estado/ Região, serão julgados no seu tribunal de origem.

Ainda em relação ao foro por prerrogativa, é interessante estudar aparente conflito existente entre o foro por prerrogativa e a competência do Tribunal do Júri.

Imagine, por exemplo, que uma autoridade com foro por prerrogativa cometa um crime doloso contra a vida.

Neste caso, pergunta-se: “prevalece o foro por prerrogativa ou a competência do Tribunal do Júri?“.

A resposta mais adequada aqui é: “depende da norma que conferiu o foro por prerrogativa“.

Isso porque, segundo o STF, “a competência constitucional do Tribunal do Júriprevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual(Súmula Vinculante 45).

Portanto, diante da prerrogativa de função garantida por Constituição ESTADUAL, a competência do júri prevalece.

Isso porque a competência do Tribunal do Júri é definida pela Constituição Federal (art. 5°, XXXVIII, d, CF).

O mesmo NÃO ocorre, contudo, na hipótese do foro por prerrogativa de função definido pela Constituição Federal.

Nesse caso, o foro por prerrogativa de função prevalece sobre a competência do Tribunal do Júri.

No foro por prerrogativa de função, ainda merece destaque uma estratégia processual da defesa que ganhou a imprensa algumas vezes na atualidade.

Trata-se da possibilidade (ou não) de renunciar ao cargo/ função para “forçar” o envio do processo para o juízo de primeiro grau, evitando, com isso, o julgamento do processo pelo Tribunal competente em razão do foro por prerrogativa de função.

Na prática, o réu percebe que será condenado, ou ainda, que a prescrição está próxima e, diante disso, renúncia para ser julgado por outro juízo ou para ganhar tempo.

Sabe-se que, uma vez encerrado o cargo/ função, encerra-se, também, o foro por prerrogativa de função.

Para o STF (ação penal 937), contudo, a renúncia ao mandato pode provocar a remessa dos autos ao juiz de primeiro grau, DESDE QUE a renúncia ocorra até antes da publicação da intimação para apresentar alegações finais.

Neste cenário, a renúncia em momento posterior é indiferente em razão da perpetuação da jurisdição.

Em relação ao desvio de verba pública por prefeito, tem-se duas súmulas importantes do STJ:

  1. Verba incorporada ao patrimônio do município, a competência será do TJ (Súmula 209 do STJ);
  2. Verba foi repassada ao município e está sujeita a prestação de contas a órgão federal, a competência será do TRF (Súmula 208 do STJ).

Autoridades com Foro por Prerrogativa de Função

As competências por prerrogativa de função definida pela Constituição Federal para julgar crimes (fato típico, ilícito e culpável) é a seguinte (vide quadro esquemático abaixo):

CF/ 88P. ExecutivoP. LegislativoP. JudiciárioOutros
STF (art. 102 da CF)Presidente da República Vice Presidente da República; Ministros de Estado.Senadores; Deputados Federais.Ministros do: STF; STJ; TST; TSE; STM.Procurador Geral da República; Ministros do TCU; Comandantes das Forças Armadas; Chefes de Missão Diplomática Permanente.
STJ (art. 105 da CF)Governadores;Desembargadores do TJ; Desembargadores do TRFMembros atuantes em Tribunal; Membros do TCE e TCM;
TJPrefeitos (art. 29, X, CF);Deputado Estadual;Juízes Estaduais de 1° Grau;Todos os membros do MP Estadual;
TRF (art. 108 da CF)Prefeitos se crime federal (súmula 702 do STF).Deputado Estadual se crime federal.Juízes Federais de 1° Grau.Todos os membros do MPU que atuam no 1° grau.

Observe que, pela Constituição Federal, o Prefeito será julgado pelo TJ. Contudo, o STF entende que, na hipótese do Prefeito praticar um crime federal, será julgado pelo Tribunal Regional Federal (e não TJ).

“Súmula 702 do STF: A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.”

A mesma linha de raciocínio segue o Deputado Estadual.

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