A figura do “alto empregado” no ordenamento jurรญdico brasileiro รฉ uma construรงรฃo complexa que desafia as categorias tradicionais do Direito do Trabalho
Com a evoluรงรฃo legislativa e jurisprudencial, em especial apรณs a Lei n. 13.467/2017, o conceito de alto empregado ganhou contornos ainda mais especรญficos, merecendo uma anรกlise detida.
Contextualizaรงรฃo Histรณrica e Jurรญdica
O conceito de “altos empregados” no Brasil nรฃo emergiu de uma construรงรฃo abrupta, mas sim de uma evoluรงรฃo histรณrica do Direito do Trabalho, que comeรงou a diferenciar tais empregados ร medida que as estruturas corporativas se tornaram mais complexas.
Na era pรณs-industrial, as empresas expandiram suas operaรงรตes e, consequentemente, criaram nรญveis hierรกrquicos que requeriam maior autonomia e responsabilidade.
Essa diferenciaรงรฃo nรฃo apenas refletia a necessidade operacional das organizaรงรตes, mas tambรฉm comeรงou a se refletir nas legislaรงรตes trabalhistas ao redor do mundo, inclusive no Brasil.
No Brasil, a consolidaรงรฃo das leis do trabalho na dรฉcada de 1940 jรก delineava a possibilidade de existรชncia de empregados com funรงรตes diferenciadas, embora nรฃo os especificasse como “altos empregados”.
Foi apenas com o advento da Lei n. 8.966, de 27 de dezembro de 1994, que a figura do alto empregado ganhou reconhecimento legal explรญcito.
Essa legislaรงรฃo veio para atender ร crescente complexidade das relaรงรตes de trabalho e ร necessidade de distinguir empregados que, por suas funรงรตes, se assemelham mais aos empregadores do que aos trabalhadores subordinados.
A Lei n. 8.966/1994 definiu altos empregados como aqueles que exercem atribuiรงรตes de alto nรญvel e dispรตem de amplos poderes gerenciais.
Esses poderes frequentemente os confundem com a prรณpria figura do empregador, dada a sua capacidade de tomar decisรตes significativas que podem afetar a direรงรฃo da empresa.
Alรฉm disso, a lei estabeleceu que a classificaรงรฃo de alto empregado sรณ se aplica ร queles que recebem uma gratificaรงรฃo funcional substancialmente maior do que a dos demais empregados, especificamente, uma gratificaรงรฃo superior a 40% do salรกrio do cargo efetivo.
A subordinaรงรฃo jurรญdica รฉ um dos pilares da relaรงรฃo de emprego.
No entanto, os altos empregados desafiam essa noรงรฃo pela sua capacidade de atuar com autonomia quase empresarial.
A Reforma Trabalhista de 2017, representada pela Lei n. 13.467, impactou significativamente a categoria dos altos empregados.
A introduรงรฃo do empregado hipersuficiente, com remuneraรงรฃo superior a duas vezes o limite mรกximo dos benefรญcios do Regime Geral de Previdรชncia Social e portador de diploma de nรญvel superior, trouxe ร tona debates sobre a autonomia nas negociaรงรตes trabalhistas e a aplicabilidade das normas de proteรงรฃo do trabalho.
O Empregado Hipersuficiente e a Lei da Reforma Trabalhista
A figura do empregado hipersuficiente foi introduzida formalmente no ordenamento jurรญdico brasileiro pela Reforma Trabalhista de 2017 (Lei n. 13.467).
Este termo รฉ aplicado a um empregado que, por sua posiรงรฃo privilegiada em termos de remuneraรงรฃo e qualificaรงรฃo, possui uma maior liberdade e capacidade de negociar diretamente com o empregador.
O legislador brasileiro reconheceu que, dada essa suficiรชncia econรดmica e educacional, tais empregados poderiam ter um equilรญbrio de poderes mais simรฉtrico nas negociaรงรตes trabalhistas.
Para ser considerado hipersuficiente, o empregado deve atender a critรฉrios especรญficos.
Primeiramente, sua remuneraรงรฃo deve ser superior a duas vezes o limite mรกximo estabelecido para os benefรญcios do Regime Geral de Previdรชncia Social. Alรฉm disso, รฉ necessรกrio que seja portador de diploma de nรญvel superior.
Este duplo critรฉrio alinha-se ร intenรงรฃo do legislador de circunscrever a hipersuficiรชncia a um grupo seleto de trabalhadores cuja condiรงรฃo financeira e intelectual lhes permita uma autonomia negocial diferenciada.
A condiรงรฃo de hipersuficiรชncia altera significativamente a aplicaรงรฃo de certas normas trabalhistas.
Um dos pontos mais notรกveis รฉ a possibilidade de prevalรชncia do negociado sobre o legislado. Isso significa que os acordos individuais entre o empregado hipersuficiente e o empregador podem ter forรงa superior ร quela das convenรงรตes coletivas ou mesmo da legislaรงรฃo trabalhista, desde que nรฃo contrariem normas de saรบde, seguranรงa e higiene do trabalho.
Casos Particulares: Sรณcios e Diretores
A condiรงรฃo de empregado-sรณcio apresenta uma dualidade jurรญdica interessante. Por um lado, essa pessoa possui uma participaรงรฃo societรกria na empresa, o que implica certos direitos e obrigaรงรตes no contexto corporativo.
Por outro, como empregado, detรฉm direitos trabalhistas assegurados pela legislaรงรฃo.
A distinรงรฃo crucial aqui รฉ a influรชncia que o sรณcio exerce na gestรฃo da empresa.
uando o sรณcio nรฃo participa da administraรงรฃo ou do poder diretivo, mantรฉm-se a possibilidade de ser tambรฉm um empregado, desde que haja subordinaรงรฃo jurรญdica, habitualidade, pessoalidade e remuneraรงรฃo.
Quando um empregado ascende ao cargo de diretor, a relaรงรฃo de emprego pode sofrer alteraรงรตes significativas.
Conforme a Sรบmula 269 do TST, o contrato de trabalho รฉ suspenso, uma vez que o exercรญcio de um cargo diretivo pressupรตe autonomia e poderes de gestรฃo que removem a subordinaรงรฃo tรญpica da relaรงรฃo de emprego.
SรMULA 269 do TST
DIRETOR ELEITO. CรMPUTO DO PERรODO COMO TEMPO DE SERVIรO
O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, nรฃo se computando o tempo de serviรงo desse perรญodo, salvo se permanecer a subordinaรงรฃo jurรญdica inerente ร relaรงรฃo de emprego.
Durante o perรญodo em que o empregado atua como diretor, nรฃo hรก contagem de tempo de serviรงo, salvo se a subordinaรงรฃo jurรญdica ao empregador permanecer.
A relaรงรฃo empregado-diretor รฉ complexa, principalmente quando o diretor mantรฉm o contrato de trabalho com a empresa e, simultaneamente, exerce funรงรตes de gestรฃo decorrentes de sua posiรงรฃo no conselho de administraรงรฃo ou diretoria.
A questรฃo chave รฉ se a posiรงรฃo de direรงรฃo confere ao empregado poderes que efetivamente o colocam na posiรงรฃo de representante do empregador.
Apรณs o tรฉrmino do exercรญcio da funรงรฃo diretiva, o empregado pode retornar ร sua posiรงรฃo anterior na empresa, sendo o contrato de trabalho reativado.
Esse processo de transiรงรฃo de volta ao status de empregado gera discussรตes jurรญdicas, especialmente no que tange aos direitos acumulados, como fรฉrias, 13ยบ salรกrio e FGTS, durante o perรญodo de suspensรฃo do contrato.