Crédito Tributário e Lançamento

Para iniciarmos, é essencial visualizar a obrigação tributária como um processo que se desenvolve ao longo do tempo. Tudo começa com a ocorrência, no mundo real, do fato gerador descrito em lei. Esse fato faz nascer a obrigação tributária, que estabelece um vínculo jurídico entre o sujeito passivo (contribuinte) e o sujeito ativo (Fisco).

Por exemplo, no caso do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), a lei determina que o fato gerador ocorre anualmente em 1º de janeiro. A partir desse momento, o proprietário de um imóvel urbano tem a obrigação de pagar o tributo correspondente.

Mas como o contribuinte sabe exatamente quanto deve pagar? É aqui que entra o lançamento, que é o procedimento administrativo destinado a constituir o crédito tributário. Segundo o artigo 142 do Código Tributário Nacional (CTN):

“Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”

Esse dispositivo deixa claro que o lançamento é o ato que formaliza o crédito tributário, permitindo ao Fisco exigir o cumprimento da obrigação e ao contribuinte conhecer precisamente o valor devido.

Natureza do Lançamento: Constitutivo ou Declaratório?

Há uma discussão doutrinária sobre a natureza jurídica do lançamento. Alguns autores defendem que ele tem natureza declaratória, pois apenas reconhece uma obrigação já existente desde a ocorrência do fato gerador. Outros argumentam que ele é constitutivo, pois é a partir do lançamento que o crédito tributário passa a existir formalmente.

O CTN adota expressamente a natureza constitutiva do lançamento. Isso significa que, sem o lançamento, o crédito tributário não está constituído e, portanto, não pode ser exigido. É importante ressaltar que, em provas e aplicações práticas, deve-se seguir o que está disposto no CTN.

O Processo de Lançamento Segundo o Artigo 142 do CTN

Analisando detalhadamente o artigo 142 do CTN, percebemos que o lançamento envolve várias etapas:

  • Verificar a ocorrência do fato gerador: Confirmar que a situação prevista em lei efetivamente aconteceu.
  • Determinar a matéria tributável: Identificar a base de cálculo sobre a qual o tributo será aplicado.
  • Calcular o montante do tributo devido: Aplicar a alíquota correspondente para chegar ao valor exato.
  • Identificar o sujeito passivo: Determinar quem é o contribuinte responsável pelo pagamento.
  • Propor a aplicação de penalidades, se for o caso: Sugerir sanções quando houver infrações à legislação tributária.

O lançamento é, portanto, um procedimento meticuloso que exige precisão e conformidade com a lei.

A Vinculação e Obrigatoriedade do Lançamento

O parágrafo único do artigo 142 do CTN estabelece que:

“A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

Isso significa que a autoridade fiscal não tem discricionariedade nesse aspecto; ela deve proceder ao lançamento sempre que verificar a ocorrência do fato gerador. A omissão ou a execução inadequada desse dever pode acarretar sanções funcionais.

Legislação Aplicável no Lançamento

Uma questão crucial é qual legislação deve ser aplicada no momento do lançamento, especialmente quando há mudanças na lei entre a ocorrência do fato gerador e o procedimento de lançamento.

De acordo com o artigo 144 do CTN:

“O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.”

Isso significa que a legislação material vigente no momento do fato gerador é a que deve ser utilizada para determinar o tributo devido. Mesmo que a lei tenha sido alterada ou revogada posteriormente, ela continua a ser aplicada àquela obrigação específica.

Casos Especiais de Aplicação da Legislação (Artigo 144, §1º do CTN)

Há, entretanto, situações em que a legislação posterior ao fato gerador pode ser aplicada no lançamento. O §1º do artigo 144 do CTN prevê que:

“Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, excetuada a atribuição de responsabilidade tributária a terceiros.”

Em outras palavras, mudanças procedimentais ou que ampliem os poderes do Fisco podem ser aplicadas retroativamente, desde que não prejudiquem direitos adquiridos ou atribuam novas responsabilidades a terceiros que não eram originalmente sujeitos passivos.

Retroatividade e Aplicação da Lei Processual Tributária

É importante distinguir entre legislação material e legislação processual. A legislação material, que define elementos como fato gerador, base de cálculo e alíquotas, não pode retroagir para prejudicar o contribuinte. Já a legislação processual, que estabelece procedimentos de fiscalização e poderes investigatórios, pode ter aplicação imediata.

No âmbito penal, por exemplo, a lei processual tem aplicação imediata, respeitando os atos processuais já praticados sob a vigência da lei anterior. O mesmo princípio se aplica no direito tributário em relação aos procedimentos de lançamento e fiscalização.

Alteração do Lançamento Tributário: Hipóteses e Limites

O lançamento tributário é o ato administrativo que constitui o crédito tributário, identificando o sujeito passivo e quantificando o tributo devido. Conforme disposto no artigo 142 do Código Tributário Nacional (CTN), o lançamento é uma atividade administrativa vinculada e obrigatória.

Uma vez notificado ao contribuinte, o lançamento se reveste de presunção de definitividade. No entanto, essa inalterabilidade não é absoluta. O CTN prevê situações específicas em que o lançamento pode ser alterado, mesmo após a notificação ao sujeito passivo.

Hipóteses de Alteração do Lançamento

  1. Impugnação pelo Sujeito Passivo O contribuinte tem o direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa em processos administrativos e judiciais (artigo 5º, LV, da Constituição Federal). Assim, se o sujeito passivo não concordar com o lançamento, pode apresentar uma impugnação administrativa.
    • Processo Administrativo Fiscal Cada ente federativo possui sua legislação específica para o processo administrativo fiscal. No âmbito federal, por exemplo, as impugnações são direcionadas às Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ).
    • Reformatio in Pejus É importante destacar que, no processo administrativo fiscal, pode ocorrer a reformatio in pejus, ou seja, a situação do contribuinte pode piorar após a análise da impugnação. Isso se deve ao princípio da verdade material, que busca a correta aplicação da legislação tributária.
  2. Recurso de Ofício Também conhecido como reexame necessário, o recurso de ofício ocorre quando a decisão administrativa beneficia o contribuinte além de determinado limite estabelecido em lei. Nesse caso, a autoridade administrativa é obrigada a remeter o processo à instância superior para nova análise.
    • Limite de Alçada A legislação pode estabelecer um valor mínimo a partir do qual o recurso de ofício é obrigatório. Na esfera federal, por exemplo, valores acima de um determinado montante exigem o reexame necessário pela instância superior.
  3. Iniciativa de Ofício da Autoridade Administrativa A autoridade fiscal pode, por iniciativa própria, rever o lançamento nos casos previstos no artigo 149 do CTN. Essas situações incluem:
    • Constatação de Erro ou Omissão Se a autoridade verificar erro de fato no lançamento, como informações incorretas ou incompletas, pode proceder à sua correção.
    • Fraude ou Sonegação Em casos de fraude, dolo ou simulação por parte do contribuinte, a revisão de ofício é permitida para ajustar o lançamento à realidade dos fatos.

Limitações Materiais à Alteração do Lançamento

A revisão do lançamento não é irrestrita. Existem limitações materiais que a autoridade deve respeitar:

  1. Erro de Fato Refere-se a equívocos relacionados a aspectos objetivos, como dados incorretos sobre o contribuinte ou o fato gerador. A correção de erro de fato é permitida, desde que respeitados os prazos legais.
  2. Erro de Direito Envolve a reinterpretação da legislação tributária. Segundo o artigo 146 do CTN, a modificação dos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa só pode produzir efeitos para fatos geradores futuros. Não é permitido alterar lançamentos passados com base em nova interpretação legal.
    • Princípio da Segurança Jurídica Essa limitação visa proteger o contribuinte de mudanças retroativas na interpretação da lei, garantindo estabilidade nas relações jurídicas tributárias.

Limitações Temporais à Alteração do Lançamento

Além das limitações materiais, existem restrições temporais para a revisão do lançamento:

  1. Prazo Decadencial Conforme o parágrafo único do artigo 145 do CTN, a revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública. Isso significa que a autoridade fiscal tem o mesmo prazo decadencial para revisar o lançamento que possui para constituir o crédito tributário, geralmente de cinco anos, conforme o artigo 173 do CTN.
    • Extinção do Direito de Lançar Após o prazo decadencial, a Fazenda Pública não pode constituir novo crédito nem revisar o lançamento já efetuado. A decadência visa dar segurança jurídica ao contribuinte contra cobranças indefinidas no tempo.

Modalidades de Lançamento

Como já expliquei anteriormente, o lançamento tributário é o procedimento administrativo por meio do qual a autoridade fiscal formaliza a obrigação tributária, determinando o montante devido pelo contribuinte. Segundo o artigo 142 do Código Tributário Nacional (CTN), compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento.

A atividade de lançamento é indelegável e exclusiva da autoridade fiscal. Isso significa que apenas servidores investidos legalmente nessa função podem realizar o lançamento. O contribuinte não pode efetuar o lançamento por conta própria; contudo, sua colaboração é essencial em algumas modalidades.

Embora o lançamento seja privativo da autoridade administrativa, o contribuinte pode e deve colaborar com informações e dados necessários para a correta apuração do tributo devido. Essa colaboração varia de acordo com a modalidade de lançamento aplicável a cada tributo.

As modalidades de lançamento são classificadas com base no grau de participação do contribuinte no processo. São elas:

Lançamento de Ofício

O lançamento de ofício ocorre quando a autoridade fiscal realiza todo o procedimento sem a colaboração do contribuinte. É utilizado principalmente em tributos cujo fato gerador e base de cálculo são de conhecimento da administração tributária.

Exemplos:

  • Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU): O município identifica os proprietários de imóveis urbanos, calcula o tributo com base nos dados cadastrais e notifica os contribuintes para o pagamento.
  • Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA): O Estado lança o imposto com base no registro dos veículos e seus proprietários.

Base Legal:

  • Artigo 149 do CTN: Estabelece que o lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos casos previstos em lei.

Lançamento por Declaração

No lançamento por declaração, o contribuinte ou um terceiro legalmente obrigado fornece à autoridade fiscal as informações sobre matéria de fato, necessárias para o cálculo do tributo. A administração tributária, então, aplica a legislação pertinente e efetua o lançamento.

Características:

  • O contribuinte declara os fatos ocorridos, mas não realiza o cálculo do tributo.
  • A autoridade fiscal verifica as informações, calcula o montante devido e notifica o contribuinte.

Exemplos:

  • Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI): Em alguns municípios, o contribuinte informa os dados da transação imobiliária, e o município calcula e lança o tributo.

Observação:

Atualmente, essa modalidade é menos comum, pois muitos tributos que antes eram lançados por declaração passaram a ser lançados por homologação.

Base Legal:

  • Artigo 147 do CTN: Dispõe sobre o lançamento por declaração, especificando a colaboração do contribuinte na prestação de informações.

Lançamento por Homologação

No lançamento por homologação, o contribuinte realiza quase todos os atos necessários: identifica-se como sujeito passivo, apura o montante devido, recolhe o tributo antecipadamente e, posteriormente, a autoridade fiscal homologa esses procedimentos.

Características:

  • O contribuinte calcula o tributo e efetua o pagamento sem prévia análise da autoridade fiscal.
  • A administração tributária tem o prazo de cinco anos, a contar do fato gerador, para homologar o lançamento, expressa ou tacitamente.
  • Caso a autoridade fiscal não se manifeste nesse prazo, considera-se o lançamento homologado tacitamente.

Exemplos:

  • Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF): O contribuinte calcula o imposto devido, preenche a declaração e realiza o pagamento ou solicita a restituição.
  • Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS): As empresas apuram o imposto devido em suas operações e recolhem antecipadamente.

Base Legal:

  • Artigo 150 do CTN: Estabelece as regras do lançamento por homologação e o prazo para a homologação pela autoridade fiscal.
  • Parágrafo 4º do Artigo 150 do CTN: Define que, se a homologação não ocorrer em cinco anos, considera-se tacitamente homologada.

Importante:

  • A existência de uma declaração não implica necessariamente que o lançamento seja por declaração. No caso do IRPF, apesar de haver uma declaração, o contribuinte realiza o cálculo e o pagamento antecipado, caracterizando o lançamento por homologação.

Lançamento por Arbitramento

O lançamento por arbitramento não é uma modalidade autônoma, mas um procedimento utilizado quando as informações fornecidas pelo contribuinte são omissas ou não merecem fé. Nesse caso, a autoridade fiscal estima os valores ou preços para efetuar o lançamento.

Aplicabilidade:

  • Utilizado quando o contribuinte declara valores notoriamente inferiores aos praticados no mercado ou quando não apresenta documentação comprobatória.
  • A autoridade fiscal, mediante processo regular, arbitra a base de cálculo do tributo.

Exemplo:

  • Transações imobiliárias com valores subfaturados: Se o contribuinte declara um valor de venda muito abaixo do valor de mercado, o fisco pode arbitrar o valor real para fins de tributação.

Base Legal:

  • Artigo 148 do CTN: Autoriza a autoridade administrativa a arbitrar o valor ou preço quando as declarações ou documentos não merecem fé ou são omissos.

Jurisprudência:

  • Súmula 431 do STJ: “É ilegal a cobrança de ICMS com base em valor arbitrado por pauta fiscal, sem a possibilidade de o contribuinte demonstrar o valor real da operação.”

Observação:

  • O arbitramento não deve ser confundido com arbitrariedade. O contribuinte tem o direito de contestar o valor arbitrado, apresentando provas em procedimento administrativo ou judicial.
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