ICMS

Com as recentes mudanรงas legislativas e a reforma tributรกria, รฉ fundamental compreendermos a fundo este tributo que estรก prestes a ser substituรญdo pelo Imposto sobre Bens e Serviรงos (IBS).

Competรชncia dos Estados e do Distrito Federal

O ICMS รฉ um imposto de competรชncia dos Estados e do Distrito Federal, conforme estabelecido no artigo 155, inciso II, da Constituiรงรฃo Federal de 1988. Este dispositivo constitucional atribui aos entes federativos a responsabilidade de instituir impostos sobre operaรงรตes relativas ร  circulaรงรฃo de mercadorias e sobre prestaรงรตes de serviรงos especรญficas.

ร‚mbito de Incidรชncia do ICMS

O ICMS incide sobre:

  • Circulaรงรฃo de Mercadorias: Refere-se ร  transferรชncia de propriedade ou posse de mercadorias, caracterizando uma operaรงรฃo comercial.
  • Prestaรงรฃo de Serviรงos de Transporte Interestadual e Intermunicipal: O imposto incide quando o transporte ocorre entre Estados ou entre Municรญpios diferentes. O transporte intramunicipal nรฃo รฉ sujeito ao ICMS, mas sim ao Imposto Sobre Serviรงos (ISS), de competรชncia municipal, conforme a Lei Complementar nยบ 116/2003.
  • Serviรงos de Comunicaรงรฃo: Inclui a prestaรงรฃo de serviรงos de telecomunicaรงรฃo, como telefonia, internet e TV por assinatura.

Diferenรงa entre ICMS e ISS

Enquanto o ICMS incide sobre a circulaรงรฃo de mercadorias e serviรงos especรญficos (transporte interestadual e intermunicipal e comunicaรงรฃo), o ISS, previsto no artigo 156, inciso III, da Constituiรงรฃo Federal, รฉ de competรชncia municipal e incide sobre serviรงos definidos em lei complementar, excluรญdos aqueles sujeitos ao ICMS.

A Reforma Tributรกria e o Surgimento do IBS

A Proposta de Emenda Constitucional nยบ 45/2019 prevรช a substituiรงรฃo do ICMS e do ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviรงos (IBS). O objetivo รฉ unificar tributos sobre consumo, simplificando o sistema tributรกrio e alinhando-o ร s prรกticas internacionais recomendadas pela Organizaรงรฃo para a Cooperaรงรฃo e Desenvolvimento Econรดmico (OCDE).

Conceito de Bens e Mercadorias

Para compreender o ICMS, รฉ crucial distinguir entre bens e mercadorias:

  • Bens: Sรฃo coisas que possuem valor econรดmico e satisfazem necessidades humanas.
  • Mercadorias: Sรฃo bens mรณveis destinados ร  comercializaรงรฃo, ou seja, aqueles adquiridos com intuito de revenda e obtenรงรฃo de lucro.

O Cรณdigo Tributรกrio Nacional, em seu artigo 109, ressalta que a definiรงรฃo de termos como “mercadoria” deve respeitar o Direito Privado, mas adaptada ao contexto tributรกrio.

Casos Especรญficos

  1. Tributaรงรฃo de Software A tributaรงรฃo de softwares foi objeto de intensos debates:
    • Software de Prateleira: Programas comercializados em larga escala eram considerados mercadorias, incidindo ICMS.
    • Software Sob Encomenda: Desenvolvidos para atender necessidades especรญficas de um cliente, incidia o ISS.
    Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinรกrio nยบ 688.223/RS, fixou o entendimento de que o ISS incide sobre o licenciamento ou cessรฃo de direito de uso de software, seja ele padronizado ou personalizado, independentemente da forma de comercializaรงรฃo.
  2. Salvados de Sinistro Refere-se aos bens recuperados apรณs um sinistro coberto por seguro. A questรฃo era se a venda desses bens pelas seguradoras estaria sujeita ao ICMS. O STF, no Recurso Extraordinรกrio nยบ 605.552/RS, entendeu que nรฃo hรก incidรชncia do ICMS, pois a atividade nรฃo configura circulaรงรฃo de mercadorias com finalidade comercial habitual.
  3. Atividades Preparatรณrias aos Serviรงos de Comunicaรงรฃo Serviรงos como instalaรงรฃo, adesรฃo e habilitaรงรฃo nรฃo estรฃo sujeitos ao ICMS, pois sรฃo considerados atividades-meio, nรฃo se confundindo com o serviรงo de comunicaรงรฃo em si. O STF, no Recurso Extraordinรกrio nยบ 572.020/DF, decidiu que o ICMS incide apenas sobre o serviรงo de comunicaรงรฃo propriamente dito.

A Necessidade de Onerosidade para Incidรชncia do ICMS

Para que haja incidรชncia do ICMS, a operaรงรฃo deve ser onerosa. Contudo, a inadimplรชncia do consumidor nรฃo afasta a exigibilidade do imposto. O STF, em sede de repercussรฃo geral no Recurso Extraordinรกrio nยบ 593.849/MG, firmou a tese de que o ICMS รฉ devido no momento da prestaรงรฃo do serviรงo, independentemente do recebimento do valor pelo prestador.

Seletividade no ICMS

A seletividade รฉ um mecanismo que permite variar as alรญquotas do imposto conforme a essencialidade das mercadorias e serviรงos. No caso do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a seletividade รฉ obrigatรณria, conforme estabelece o artigo 153, ยง 3ยบ, I da Constituiรงรฃo Federal:

“O imposto previsto no inciso IV: I – serรก seletivo, em funรงรฃo da essencialidade do produto.”

Jรก para o ICMS, a seletividade รฉ facultativa. O artigo 155, ยง 2ยบ, III da Constituiรงรฃo Federal dispรตe:

“O imposto poderรก ser seletivo, em funรงรฃo da essencialidade das mercadorias e dos serviรงos.”

Isso significa que cabe a cada estado decidir se adotarรก ou nรฃo a seletividade no ICMS.

Na prรกtica, os estados costumam estabelecer uma alรญquota geral para o ICMS e criar alรญquotas diferenciadas para determinados produtos ou serviรงos. Mercadorias consideradas supรฉrfluas podem ter alรญquotas mais elevadas, enquanto bens essenciais podem ser tributados com alรญquotas menores. No entanto, essa discricionariedade nรฃo รฉ absoluta.

O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que, mesmo sendo facultativa a adoรงรฃo da seletividade, os estados nรฃo podem estabelecer alรญquotas mais elevadas para bens e serviรงos essenciais, sob pena de violar a Constituiรงรฃo. Em especial, a energia elรฉtrica e os serviรงos de telecomunicaรงรตes foram considerados essenciais e, portanto, nรฃo podem ser tributados com alรญquotas superiores ร s aplicadas a outros produtos.

A tese fixada pelo STF foi a seguinte:

“Adotada pelo legislador estadual a tรฉcnica da seletividade em funรงรฃo da essencialidade dos produtos e serviรงos, sรฃo inconstitucionais as alรญquotas do ICMS incidentes sobre operaรงรตes com energia elรฉtrica e serviรงos de telecomunicaรงรตes em patamar superior ao das operaรงรตes em geral.” (RE 714.139/SC)

Em resposta a essas decisรตes e visando uniformizar a tributaรงรฃo, foi editada a Lei Complementar nยบ 194/2022, que considera essenciais e indispensรกveis os seguintes bens e serviรงos:

  • Combustรญveis;
  • Energia elรฉtrica;
  • Comunicaรงรตes;
  • Gรกs natural;
  • Transporte coletivo.

O artigo 1ยบ da referida lei estabelece:

“Para fins do disposto no inciso II do caput do art. 155 da Constituiรงรฃo Federal, sรฃo essenciais e indispensรกveis os bens e serviรงos relativos aos combustรญveis, ร  energia elรฉtrica, ร s comunicaรงรตes, ao gรกs natural e ao transporte coletivo.”

Alรฉm disso, o parรกgrafo รบnico do mesmo artigo veda a aplicaรงรฃo de alรญquotas superiores ร  alรญquota geral:

“ร‰ vedada a fixaรงรฃo de alรญquotas sobre os bens e serviรงos referidos no caput em patamar superior ao das operaรงรตes em geral.”

Nรฃo Cumulatividade do ICMS

A nรฃo cumulatividade รฉ um princรญpio obrigatรณrio para o ICMS, conforme o artigo 155, ยง 2ยบ, I da Constituiรงรฃo Federal:

“O imposto serรก nรฃo cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operaรงรฃo relativa ร  circulaรงรฃo de mercadorias ou prestaรงรฃo de serviรงos com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.”

Esse princรญpio visa evitar a tributaรงรฃo em cascata, garantindo que o ICMS incida apenas sobre o valor agregado em cada etapa da circulaรงรฃo de mercadorias ou serviรงos.

Na prรกtica, o contribuinte tem direito a creditar-se do ICMS pago nas aquisiรงรตes de mercadorias ou serviรงos, podendo abater esse valor do imposto devido nas operaรงรตes seguintes. Por exemplo, se uma empresa compra uma mercadoria por R$ 1.000, pagando R$ 180 de ICMS (considerando uma alรญquota de 18%), e vende essa mercadoria por R$ 1.500, gerando um ICMS de R$ 270, ela poderรก compensar os R$ 180 pagos anteriormente, recolhendo apenas R$ 90 ao fisco.

Existem situaรงรตes em que o direito ao crรฉdito รฉ restringido. O artigo 155, ยง 2ยบ, II da Constituiรงรฃo Federal determina:

  • “A isenรงรฃo ou nรฃo incidรชncia, salvo determinaรงรฃo em contrรกrio da legislaรงรฃo:

a) nรฃo implicarรก crรฉdito para compensaรงรฃo com o montante devido nas operaรงรตes ou prestaรงรตes seguintes;

b) acarretarรก a anulaรงรฃo do crรฉdito relativo ร s operaรงรตes anteriores.”*

Isso significa que, se a entrada da mercadoria for isenta ou nรฃo tributada, o contribuinte nรฃo poderรก aproveitar crรฉditos nessa operaรงรฃo. Da mesma forma, se a saรญda for isenta ou nรฃo tributada, deve-se estornar os crรฉditos relativos ร s operaรงรตes anteriores.

Algumas exceรงรตes importantes a essa regra sรฃo:

  • Exportaรงรตes: O artigo 155, ยง 2ยบ, X, a da Constituiรงรฃo Federal estabelece que nรฃo incidirรก ICMS sobre operaรงรตes que destinem mercadorias para o exterior, assegurando a manutenรงรฃo e o aproveitamento dos crรฉditos acumulados:

“Nรฃo incidirรก o imposto sobre operaรงรตes que destinem mercadorias para o exterior, assegurada a manutenรงรฃo e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operaรงรตes e prestaรงรตes anteriores.”

  • Papel Destinado ร  Impressรฃo de Livros, Jornais e Periรณdicos: O Supremo Tribunal Federal interpretou que, para cumprir a finalidade da imunidade tributรกria prevista no artigo 150, VI, d da Constituiรงรฃo Federal, que busca incentivar a cultura e a informaรงรฃo, รฉ permitido manter os crรฉditos de ICMS nas operaรงรตes com papel destinado ร  impressรฃo desses materiais.
  • Determinaรงรฃo Legal Especรญfica: A legislaรงรฃo pode prever situaรงรตes em que, mesmo havendo isenรงรฃo ou nรฃo incidรชncia, o contribuinte possa manter os crรฉditos, como forma de incentivo fiscal.

Para que o contribuinte tenha direito ao crรฉdito do ICMS, รฉ necessรกrio que haja incidรชncia do imposto tanto na entrada quanto na saรญda das mercadorias ou serviรงos. Se nรฃo houver incidรชncia na entrada, nรฃo hรก crรฉdito a ser aproveitado. Se nรฃo houver incidรชncia na saรญda, deve-se estornar o crรฉdito relativo ร s operaรงรตes anteriores.

Quando ocorre reduรงรฃo da base de cรกlculo ou aplicaรงรฃo de alรญquota inferior na saรญda, surge a questรฃo sobre a necessidade de estorno proporcional dos crรฉditos. O STF decidiu que รฉ constitucional exigir o estorno proporcional dos crรฉditos de ICMS nessas situaรงรตes. A lรณgica รฉ que, se hรก uma reduรงรฃo na tributaรงรฃo da saรญda, deve haver uma correspondente reduรงรฃo nos crรฉditos aproveitados, para manter o equilรญbrio fiscal e a coerรชncia do princรญpio da nรฃo cumulatividade.

A posiรงรฃo do STF sobre o tema foi consolidada:

“Nรฃo ofende o princรญpio da nรฃo cumulatividade a exigรชncia de estorno proporcional de crรฉdito de ICMS relativo ร  entrada de mercadoria cuja saรญda รฉ tributada ร  base de cรกlculo reduzida.” (RE 174.478/RS)

Incidรชncia do ICMS nas Operaรงรตes Interestaduais: Evoluรงรฃo e Desafios Recentes

Historicamente, nas operaรงรตes interestaduais, a incidรชncia do ICMS dependia de quem era o comprador e qual era a destinaรงรฃo da mercadoria. Se o comprador era contribuinte do imposto, ou seja, um comerciante com inscriรงรฃo estadual, a operaรงรฃo seguia uma lรณgica especรญfica.

Quando o comerciante adquiria mercadorias para revenda, aplicava-se a alรญquota interestadual na origem, geralmente menor (como 7% nas operaรงรตes de Sรฃo Paulo para Pernambuco). O ICMS pago na origem era abatido do imposto devido no destino no momento da revenda, conforme o mecanismo de dรฉbito e crรฉdito previsto na legislaรงรฃo.

No entanto, se o comerciante adquiria a mercadoria para uso prรณprio, incorporando-a ao seu ativo permanente, ele se tornava o consumidor final. Nesses casos, alรฉm da alรญquota interestadual paga na origem, o comprador deveria recolher o diferencial de alรญquota (Difal) para o estado de destino, correspondente ร  diferenรงa entre a alรญquota interna do destino e a alรญquota interestadual aplicada na origem.

Com o crescimento do comรฉrcio eletrรดnico, aumentaram as operaรงรตes em que consumidores finais nรฃo contribuintes adquiriam mercadorias de outros estados. Antes de 2015, nessas situaรงรตes, todo o ICMS ficava com o estado de origem, jรก que o comprador nรฃo era contribuinte e nรฃo havia mecanismo para repartir o imposto com o estado de destino.

A fim de equilibrar a distribuiรงรฃo da receita tributรกria entre os estados, foi promulgada a Emenda Constitucional nยบ 87/2015. Essa emenda alterou a sistemรกtica de cobranรงa do ICMS nas operaรงรตes interestaduais destinadas a consumidores finais nรฃo contribuintes, estabelecendo a partilha do imposto entre os estados de origem e de destino.

Com a alteraรงรฃo constitucional, nas vendas interestaduais para consumidores finais nรฃo contribuintes, passou-se a aplicar a alรญquota interestadual na origem e o diferencial de alรญquota passou a ser devido ao estado de destino. A responsabilidade pelo recolhimento desse Difal ficou a cargo do remetente da mercadoria.

Essa mudanรงa buscou promover justiรงa fiscal e equilรญbrio federativo, evitando que estados menos desenvolvidos perdessem receita tributรกria em favor dos estados mais industrializados, que sรฃo grandes fornecedores de mercadorias.

Apesar da Emenda Constitucional nยบ 87/2015 estabelecer a nova regra, a sua aplicaรงรฃo prรกtica enfrentou obstรกculos jurรญdicos. O artigo 146, inciso III, alรญnea “a” da Constituiรงรฃo Federal determina que cabe ร  lei complementar estabelecer normas gerais em matรฉria tributรกria, especialmente sobre a definiรงรฃo de contribuintes.

Diante disso, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Aรงรฃo Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nยบ 5469, entendeu que a cobranรงa do Difal nas operaรงรตes com consumidores finais nรฃo contribuintes dependia da ediรงรฃo de lei complementar federal. As leis estaduais que anteciparam essa cobranรงa foram consideradas sem eficรกcia atรฉ a ediรงรฃo da lei complementar exigida.

Em resposta ร  exigรชncia do STF, foi publicada a Lei Complementar nยบ 190, em 4 de janeiro de 2022. Essa lei regulamentou a cobranรงa do Difal nas operaรงรตes interestaduais destinadas a consumidores finais nรฃo contribuintes, conforme previsto na Emenda Constitucional nยบ 87/2015.

No entanto, a lei foi sancionada apenas em 2022, o que gerou debates sobre a aplicaรงรฃo dos princรญpios da anterioridade anual e nonagesimal, previstos no artigo 150, inciso III, alรญneas “b” e “c” da Constituiรงรฃo Federal. Esses princรญpios estabelecem que a lei que institui ou aumenta tributos sรณ pode produzir efeitos no exercรญcio financeiro seguinte e apรณs 90 dias de sua publicaรงรฃo.

O STF, ao analisar a questรฃo, considerou que, apesar da necessidade de observar esses princรญpios, a modulaรงรฃo dos efeitos de suas decisรตes deveria levar em conta a seguranรงa jurรญdica e o interesse pรบblico, evitando prejuรญzos significativos aos estados.

Outra questรฃo relevante refere-se aos contribuintes optantes pelo Simples Nacional. A Lei Complementar nยบ 123/2006, que institui o regime unificado de tributos, prevรช em seu artigo 13, ยง 1ยบ, inciso XIII, alรญnea “h”, que o Difal nรฃo estรก abrangido pelo Simples Nacional, devendo ser recolhido ร  parte.

O STF, em decisรตes como o Recurso Extraordinรกrio nยบ 970821, confirmou a constitucionalidade dessa exigรชncia, entendendo que nรฃo viola os princรญpios do Simples Nacional, pois estรก prevista em lei complementar e visa garantir a isonomia tributรกria.

ICMS nas Importaรงรตes

Inicialmente, รฉ importante entender a lรณgica que orienta o sistema tributรกrio internacional contemporรขneo: a desoneraรงรฃo das exportaรงรตes e a tributaรงรฃo no destino. A finalidade รฉ evitar que os tributos internos prejudiquem a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional. Assim, ao exportar, busca-se nรฃo “exportar tributos”.

Com a proposta de Reforma Tributรกria e a possรญvel criaรงรฃo de um IVA Dual (Imposto sobre Valor Agregado), essa lรณgica se reforรงa, privilegiando a tributaรงรฃo no destino. Dessa forma, as exportaรงรตes sรฃo imunizadas, conforme prevรช o Artigo 155, ยง 2ยบ, X, a, da Constituiรงรฃo Federal, que estabelece a nรฃo incidรชncia do ICMS sobre operaรงรตes que destinem mercadorias para o exterior.

Por outro lado, as importaรงรตes sรฃo tributadas, pois รฉ no territรณrio nacional que ocorrerรก o consumo das mercadorias e serviรงos. A ideia รฉ equiparar a carga tributรกria dos produtos estrangeiros ร  dos nacionais, garantindo isonomia competitiva. Assim, sobre as importaรงรตes incidem tributos como ICMS, IPI, PIS e COFINS.

Antes da Emenda Constitucional nยบ 33/2001, havia debates sobre a incidรชncia do ICMS nas importaรงรตes realizadas por pessoas fรญsicas ou por quem nรฃo fosse contribuinte habitual do imposto. O texto constitucional anterior referia-se ร  incidรชncia do ICMS sobre a entrada de mercadorias importadas por estabelecimento comercial, o que gerava interpretaรงรตes restritivas.

A Emenda Constitucional nยบ 33/2001 ampliou o alcance da incidรชncia do ICMS nas importaรงรตes. A nova redaรงรฃo do Artigo 155, ยง 2ยบ, IX, a, passou a prever a incidรชncia do ICMS sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa fรญsica ou jurรญdica, ainda que nรฃo seja contribuinte habitual do imposto, independentemente da finalidade a que se destinem tais bens.

Texto Constitucional Atualizado:

  • “Art. 155 (…)

ยง 2ยบ (…)

IX – incidirรก tambรฉm:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa fรญsica ou jurรญdica, ainda que nรฃo seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;”*

Essa alteraรงรฃo visou eliminar as brechas que permitiam a nรฃo incidรชncia do ICMS em determinadas importaรงรตes, garantindo uma tributaรงรฃo mais ampla e justa.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em diversas ocasiรตes, consolidou o entendimento acerca da incidรชncia do ICMS nas importaรงรตes apรณs a Emenda 33/2001. Um caso emblemรกtico foi o julgamento sobre a Sรบmula 660, que estabeleceu:

“Nรฃo incide ICMS na importaรงรฃo de bens por pessoa fรญsica ou jurรญdica que nรฃo seja contribuinte do imposto.”

Contudo, o STF esclareceu que essa sรบmula aplicava-se apenas ร s importaรงรตes realizadas antes da vigรชncia da Emenda 33/2001. Apรณs a emenda, o ICMS passou a incidir sobre todas as importaรงรตes, independentemente de quem as realize ou da finalidade dos bens.

Um ponto relevante diz respeito ร s operaรงรตes de leasing internacional. A incidรชncia do ICMS nessas operaรงรตes depende da existรชncia ou nรฃo de transferรชncia da propriedade do bem.

  • Leasing Operacional: Nรฃo hรก previsรฃo de transferรชncia automรกtica de propriedade ao final do contrato. O arrendatรกrio pode optar pela compra do bem, mas nรฃo รฉ obrigatรณrio. Nesses casos, o STF entendeu que nรฃo hรก incidรชncia do ICMS, pois nรฃo ocorre a circulaรงรฃo jurรญdica da mercadoria.
  • Leasing Financeiro: Desde o inรญcio, o contrato prevรช a transferรชncia da propriedade ao final do perรญodo, mediante pagamento residual. Aqui, hรก incidรชncia do ICMS, pois existe a circulaรงรฃo jurรญdica do bem.

Previsรฃo Legal:

A Lei Complementar nยบ 87/1996 (Lei Kandir), em seu Artigo 3ยบ, inciso VIII, estabelece:

“O imposto nรฃo incide sobre operaรงรตes de arrendamento mercantil, nรฃo compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatรกrio.”

Casos Especรญficos: O Julgamento da TAM pelo STF

No caso da TAM Linhas Aรฉreas, a companhia realizava operaรงรตes de leasing operacional de aeronaves sem a opรงรฃo de compra ao final do contrato. O STF decidiu que nรฃo hรก incidรชncia de ICMS nessas operaรงรตes, uma vez que nรฃo ocorre a transferรชncia de propriedade do bem.

Precedente do STF:

“A incidรชncia do ICMS na importaรงรฃo pressupรตe a transferรชncia da titularidade do bem importado. Na ausรชncia de transferรชncia de propriedade, como nas operaรงรตes de leasing operacional sem opรงรฃo de compra, nรฃo hรก fato gerador do ICMS.”

Fato Gerador e Momento da Incidรชncia do ICMS na Importaรงรฃo

O fato gerador do ICMS na importaรงรฃo รฉ a entrada fรญsica do bem no territรณrio nacional, consolidada pelo desembaraรงo aduaneiro. Conforme o Artigo 12, inciso IX, da Lei Complementar nยบ 87/1996:

“Considera-se ocorrido o fato gerador do ICMS no momento do desembaraรงo aduaneiro de mercadoria ou bem importados do exterior.”

O STF reconheceu a legitimidade da cobranรงa do ICMS no momento do desembaraรงo aduaneiro, mesmo que o bem ainda nรฃo tenha ingressado no estabelecimento do importador.

Definiรงรฃo do Estado Competente para Cobranรงa do ICMS

A Constituiรงรฃo determina que o ICMS รฉ devido ao Estado onde estรก situado o domicรญlio ou estabelecimento do destinatรกrio da mercadoria. Isso evita disputas fiscais entre Estados e garante seguranรงa jurรญdica.

Artigo Constitucional:

  • “Art. 155 (…)

ยง 2ยบ (…)

IX – incidirรก tambรฉm:

a) (…)

Parรกgrafo รบnico: o imposto caberรก ao Estado onde estiver situado o domicรญlio ou o estabelecimento do destinatรกrio do bem ou serviรงo.”

Soluรงรตes do STF para Casos de Importaรงรฃo com Intermediaรงรฃo

O STF estabeleceu critรฉrios para identificar o Estado competente em operaรงรตes de importaรงรฃo que envolvem intermediaรงรฃo, como nos casos de importaรงรฃo por conta e ordem de terceiros ou por encomenda:

  • Importaรงรฃo por Conta e Ordem de Terceiros: O adquirente รฉ o real importador e destinatรกrio jurรญdico da mercadoria. O ICMS รฉ devido ao Estado onde ele estรก localizado.
  • Importaรงรฃo por Encomenda: O importador (trading) adquire a mercadoria em nome prรณprio e, posteriormente, a revende ao encomendante. Nesse caso, o ICMS รฉ devido ao Estado onde estรก o importador, pois ele รฉ o destinatรกrio jurรญdico na importaรงรฃo.

Tributaรงรฃo Conjunta de Mercadorias e Serviรงos

Em operaรงรตes que envolvem simultaneamente a prestaรงรฃo de serviรงos e o fornecimento de mercadorias, รฉ necessรกrio definir qual imposto incide sobre cada parcela:

  • Serviรงos listados na Lei Complementar nยบ 116/2003: Incidem ISS (Imposto Sobre Serviรงos) e, eventualmente, ICMS sobre as mercadorias fornecidas, caso haja previsรฃo legal.
  • Fornecimento de Alimentaรงรฃo e Bebidas: Em bares e restaurantes, incide ICMS sobre o valor total da operaรงรฃo, conforme entendimento consolidado.
  • Casos de Incidรชncia Mista: Quando o serviรงo estรก previsto na lista anexa ร  Lei Complementar nยบ 116/2003 e hรก ressalva quanto ร s mercadorias, deve-se separar a base de cรกlculo para incidรชncia do ISS sobre o serviรงo e do ICMS sobre as mercadorias. Exemplos incluem:
    • Organizaรงรฃo de eventos: Incide ISS sobre o serviรงo de organizaรงรฃo e ICMS sobre alimentos e bebidas fornecidos.
    • Reparaรงรฃo de veรญculos: Incide ISS sobre a mรฃo de obra e ICMS sobre as peรงas utilizadas.

Imunidade do ICMS sobre Derivados de Petrรณleo e Energia Elรฉtrica

Senhoras e senhores, vamos dar continuidade ao nosso estudo sobre o ICMS, aprofundando-nos em uma imunidade especรญfica que gera muitas discussรตes: a imunidade do ICMS sobre derivados de petrรณleo, combustรญveis, lubrificantes e energia elรฉtrica em operaรงรตes interestaduais.

A imunidade em questรฃo estรก prevista na Constituiรงรฃo Federal de 1988, especificamente no artigo 155, ยง2ยบ, inciso X, alรญnea “b”, que estabelece:

“ยง2ยบ, X – nรฃo incidirรก: […]b) operaรงรตes que destinem a outros Estados petrรณleo, inclusive lubrificantes, combustรญveis lรญquidos e gasosos dele derivados, e energia elรฉtrica;”

ร‰ fundamental destacar a expressรฃo “outros Estados”. Isso significa que a imunidade aplica-se exclusivamente ร s operaรงรตes interestaduais. Portanto, operaรงรตes que destinem esses produtos dentro do mesmo Estado nรฃo estรฃo abrangidas por essa imunidade.

A imunidade abrange petrรณleo, lubrificantes, combustรญveis lรญquidos e gasosos derivados de petrรณleo e energia elรฉtrica, desde que sejam operaรงรตes interestaduais. Mas qual รฉ a razรฃo dessa imunidade?

Diferentemente de outras imunidades que visam desonerar o contribuinte, essa tem como objetivo garantir que a arrecadaรงรฃo do ICMS seja direcionada ao Estado de destino, onde ocorrerรก o consumo. Trata-se de uma medida para equilibrar a distribuiรงรฃo de receitas entre os Estados, evitando que apenas os Estados produtores sejam beneficiados.

Para compreender a razรฃo dessa imunidade, รฉ preciso considerar o contexto federativo brasileiro. O petrรณleo e a energia elรฉtrica sรฃo recursos explorados pela Uniรฃo, muitas vezes por meio de empresas estatais como a Petrobras e a Eletrobras. Esses recursos sรฃo consumidos por toda a Federaรงรฃo.

Se o ICMS fosse cobrado no Estado de origem, Estados produtores como Rio de Janeiro (petrรณleo) e Paranรก (energia elรฉtrica) concentrariam a arrecadaรงรฃo, ampliando as desigualdades regionais. A imunidade assegura que o imposto seja recolhido no Estado onde ocorre o consumo, promovendo uma distribuiรงรฃo mais justa das receitas tributรกrias.

ร‰ importante notar que a imunidade nรฃo se estende a todos os produtos derivados de petrรณleo. Ela abrange apenas combustรญveis e lubrificantes. Produtos como plรกsticos e outros derivados nรฃo estรฃo incluรญdos. Alรฉm disso, combustรญveis como o รกlcool (etanol), que nรฃo sรฃo derivados de petrรณleo, nรฃo estรฃo abrangidos por essa imunidade, pois sua produรงรฃo รฉ distribuรญda em diversos Estados e nรฃo envolve a exploraรงรฃo de recursos da Uniรฃo.

Tributaรงรฃo Monofรกsica e Emenda Constitucional nยบ 33/2001

Visando simplificar a arrecadaรงรฃo e combater a sonegaรงรฃo fiscal, especialmente no setor de combustรญveis, a Emenda Constitucional nยบ 33/2001 introduziu a possibilidade de incidรชncia monofรกsica do ICMS sobre combustรญveis e lubrificantes.

Conforme o artigo 155, ยง2ยบ, inciso XII, alรญnea “h” da Constituiรงรฃo Federal, cabe ร  lei complementar:

“definir os combustรญveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirรก uma รบnica vez, qualquer que seja sua finalidade, hipรณtese em que nรฃo se aplicarรก o disposto na alรญnea ‘b’ do inciso X deste parรกgrafo;”

Ou seja, quando a tributaรงรฃo monofรกsica รฉ aplicada, a imunidade nas operaรงรตes interestaduais nรฃo se aplica, permitindo a cobranรงa do ICMS na saรญda do produto.

Manutenรงรฃo da Destinaรงรฃo da Receita ao Estado Consumidor

Apesar da nรฃo aplicaรงรฃo da imunidade na tributaรงรฃo monofรกsica, a Constituiรงรฃo assegura que, nas operaรงรตes com combustรญveis e lubrificantes derivados de petrรณleo, o ICMS continue sendo destinado ao Estado onde ocorre o consumo.

Isso estรก previsto no artigo 155, ยง4ยบ, inciso I:

“Nas hipรณteses do inciso XII, alรญnea ‘h’, deste parรกgrafo:I – nas operaรงรตes com combustรญveis e lubrificantes derivados de petrรณleo, o imposto caberรก ao Estado onde ocorrer o consumo;”

Dessa forma, mantรฉm-se o equilรญbrio federativo, garantindo que a arrecadaรงรฃo beneficie o Estado consumidor.

Papel do CONFAZ na Definiรงรฃo das Alรญquotas

Para implementar a tributaรงรฃo monofรกsica, รฉ necessรกrio definir alรญquotas uniformes em todo o territรณrio nacional, evitando distorรงรตes entre os Estados. A Constituiรงรฃo delegou essa atribuiรงรฃo ao Conselho Nacional de Polรญtica Fazendรกria (CONFAZ).

Conforme o artigo 155, ยง4ยบ, inciso IV:

“As alรญquotas do imposto serรฃo definidas mediante deliberaรงรฃo dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto na alรญnea ‘g’ do inciso XII deste parรกgrafo, observado o seguinte:a) serรฃo uniformes em todo o territรณrio nacional, podendo ser diferenciadas por produto;”

O CONFAZ, composto por representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, garante que a definiรงรฃo das alรญquotas seja resultado de consenso, respeitando as peculiaridades regionais e promovendo a harmonizaรงรฃo tributรกria.

Regulamentaรงรฃo e Implementaรงรฃo da Monofasia

Embora a Emenda Constitucional nยบ 33 tenha sido promulgada em 2001, a regulamentaรงรฃo da tributaรงรฃo monofรกsica do ICMS sobre combustรญveis ocorreu somente em 2022, com a publicaรงรฃo da Lei Complementar nยบ 192/2022.

Essa lei definiu os combustรญveis sujeitos ร  incidรชncia monofรกsica e estabeleceu que as alรญquotas serรฃo especรญficas (valor fixo por unidade de medida, como reais por litro), uniformes em todo o territรณrio nacional e poderรฃo ser reduzidas e restabelecidas sem a necessidade de observar o princรญpio da anterioridade anual, conforme previsto no artigo 150, ยง1ยบ, da Constituiรงรฃo Federal.

Transferรชncias entre Estabelecimentos do Mesmo Contribuinte

Outro ponto relevante รฉ a incidรชncia do ICMS nas operaรงรตes de transferรชncia de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, especialmente quando localizados em diferentes Estados.

A Lei Complementar nยบ 87/1996 (Lei Kandir) previa a incidรชncia do ICMS nessas operaรงรตes. No entanto, o Superior Tribunal de Justiรงa (STJ), por meio da Sรบmula 166, firmou o entendimento de que:

“Nรฃo constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”

Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Aรงรฃo Declaratรณria de Constitucionalidade nยบ 49, consolidou esse entendimento, afirmando que nรฃo hรก incidรชncia de ICMS nessas transferรชncias, pois nรฃo ocorre circulaรงรฃo jurรญdica de mercadoria, ou seja, nรฃo hรก transferรชncia de titularidade.

Base de Cรกlculo do ICMS e o Cรกlculo “Por Dentro”

O ICMS possui uma caracterรญstica peculiar: sua base de cรกlculo inclui o prรณprio imposto. Essa metodologia, conhecida como cรกlculo “por dentro”, estรก prevista no artigo 13, ยง1ยบ, inciso I, da Lei Complementar nยบ 87/1996, que estabelece:

“ยง1ยบ Integra a base de cรกlculo do imposto:I – o montante do prรณprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicaรงรฃo para fins de controle;”

Esse sistema faz com que a alรญquota efetiva seja superior ร  alรญquota nominal. Por exemplo, em uma operaรงรฃo com alรญquota de 18%, o imposto efetivamente representa aproximadamente 21,95% do valor da mercadoria sem o imposto.

O STF jรก reconheceu a constitucionalidade dessa forma de cรกlculo. Entretanto, as propostas de reforma tributรกria em discussรฃo no Congresso Nacional visam eliminar essa prรกtica, adotando um modelo de tributaรงรฃo mais transparente.

ICMS como Tributo Lanรงado por Homologaรงรฃo

Por fim, รฉ relevante mencionar que o ICMS รฉ um tributo lanรงado por homologaรงรฃo. Isso significa que o contribuinte apura o imposto devido e realiza o recolhimento, cabendo ao Fisco a posterior verificaรงรฃo e homologaรงรฃo dos valores.

Caso sejam identificadas inconsistรชncias ou erros na apuraรงรฃo, o Fisco pode proceder ao lanรงamento de ofรญcio, exigindo eventuais diferenรงas e aplicando as penalidades cabรญveis.

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