Vamos dar início ao curso de Direito Tributário, tudo já atualizado conforme a Reforma Tributária, em especial a Emenda Constitucional nº 132 de 2023. Ao longo deste curso, exploraremos desde os conceitos fundamentais até as nuances mais complexas da legislação tributária atual.
Hoje, vamos nos concentrar nas finalidades da tributação. Quando mencionamos tributos, é comum que a primeira ideia seja a de que eles servem para o Estado obter recursos financeiros para suas atividades. Embora essa percepção esteja correta, ela não captura toda a profundidade do papel dos tributos em nossa sociedade.
O Estado, como uma entidade abstrata, existe com o propósito primordial de promover o bem comum dos cidadãos que habitam seu território. Para alcançar esse objetivo, é necessário investir em educação, saúde, segurança, infraestrutura e diversos outros serviços públicos essenciais. Esses investimentos demandam recursos financeiros, e é aqui que a tributação desempenha um papel crucial.
Historicamente, o Estado brasileiro já atuou como um importante agente econômico, possuindo empresas estatais que geravam receitas significativas. Bancos como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, além de empresas como a Petrobras, são exemplos de instituições que contribuíram para as chamadas receitas originárias do Estado — aquelas obtidas sem o exercício do poder coercitivo, atuando como qualquer agente no mercado.
No entanto, a partir da década de 1990, especialmente com o Plano Diretor da Reforma do Estado, houve uma mudança de paradigma. O Estado passou a se retirar gradualmente da atividade empresarial, transferindo a produção de bens e serviços para a iniciativa privada, salvo em áreas estratégicas ou de segurança nacional. Essa transição resultou na diminuição das receitas originárias, aumentando a dependência das receitas derivadas, que são obtidas por meio da tributação compulsória dos particulares.
Dessa forma, os tributos emergiram não apenas como uma fonte de receita, mas como a principal fonte de financiamento das atividades estatais. Contudo, limitar a função dos tributos à arrecadação é subestimar seu potencial e suas implicações.
Um aspecto fundamental a ser considerado é que a tributação não é neutra. O princípio da neutralidade tributária, recentemente incorporado expressamente na Constituição Federal após a Emenda Constitucional nº 132, defende que os tributos devem ser estruturados de modo a não interferir nas decisões econômicas dos agentes. Em outras palavras, a tributação não deveria distorcer a alocação de recursos ou influenciar indevidamente o comportamento de consumidores e produtores.
Na prática, porém, é quase impossível alcançar total neutralidade. Os tributos, por sua própria natureza, afetam preços, custos e, consequentemente, decisões de consumo e investimento. Reconhecendo isso, o Estado frequentemente utiliza a tributação como instrumento de política econômica e social, buscando alcançar objetivos que vão além da simples arrecadação. É aqui que entra o conceito de extrafiscalidade.
A extrafiscalidade refere-se ao uso dos tributos para influenciar comportamentos, promover o desenvolvimento econômico, incentivar ou desestimular certas atividades e corrigir desequilíbrios sociais. Por exemplo, o Imposto de Importação não tem como principal finalidade a arrecadação, mas sim a proteção da indústria nacional, tornando produtos estrangeiros menos competitivos em relação aos produzidos internamente.
Outro exemplo é o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que pode ter alíquotas ajustadas para estimular ou desestimular a produção e o consumo de determinados bens. Da mesma forma, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é frequentemente utilizado para regular o mercado de crédito e controlar o fluxo de capitais.
É importante ressaltar que a finalidade extrafiscal não exclui a arrecadatória. Mesmo quando um tributo é utilizado principalmente para fins extrafiscais, ele continua gerando receita para o Estado. Portanto, podemos dizer que os tributos possuem uma dupla função: fiscal e extrafiscal, sendo que uma pode prevalecer sobre a outra dependendo do contexto e dos objetivos políticos e econômicos em questão.
Além dessas, há ainda a chamada parafiscalidade, que, embora seja objeto de debate doutrinário quanto à sua autonomia como finalidade, merece menção. A parafiscalidade ocorre quando o Estado delega a arrecadação de determinados tributos a entidades paraestatais ou autarquias, que utilizam esses recursos para fins específicos. Um exemplo são as contribuições destinadas ao “Sistema S” (SENAI, SESC, SEBRAE, entre outros), que financiam atividades de interesse público relacionadas à qualificação profissional e ao desenvolvimento empresarial.
Voltando à extrafiscalidade, podemos identificar sua presença não apenas na forma como os tributos são cobrados, mas também no destino dado à arrecadação. A Constituição Federal prevê que certos tributos tenham sua receita vinculada a áreas específicas, como saúde, educação ou infraestrutura, potencializando seu impacto social e econômico.
Com a recente reforma tributária, novos mecanismos extrafiscais foram incorporados ao nosso ordenamento. A criação do Imposto Seletivo, previsto para incidir sobre produtos e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, é um exemplo claro. Ao onerar produtos como cigarros e bebidas alcoólicas, o Estado busca desestimular seu consumo, promovendo a saúde pública e reduzindo custos associados ao tratamento de doenças relacionadas.
Outro exemplo significativo é a possibilidade de os Estados diferenciarem as alíquotas do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) com base no impacto ambiental dos veículos. Isso permite que carros menos poluentes tenham alíquotas reduzidas, incentivando a aquisição de veículos elétricos ou híbridos e contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
É interessante notar como a extrafiscalidade pode coexistir com a fiscalidade dentro do mesmo tributo. No caso do IPVA, além de arrecadar recursos para o Estado, o imposto é utilizado como ferramenta para promover políticas ambientais.
Em síntese, compreender as finalidades dos tributos é essencial para uma análise completa do Direito Tributário. A tributação é um instrumento poderoso nas mãos do Estado, que, além de financiar suas atividades, pode moldar comportamentos, estimular setores estratégicos, promover justiça social e impulsionar o desenvolvimento sustentável.
Ao longo deste curso, aprofundaremos esses conceitos, explorando como eles se materializam na legislação, na jurisprudência e na prática administrativa. Analisaremos as limitações constitucionais ao poder de tributar, os princípios que norteiam a atividade tributária e os desafios enfrentados na implementação de políticas fiscais e extrafiscais eficazes.
A compreensão dessas finalidades nos permitirá não apenas interpretar corretamente as normas tributárias, mas também criticar e contribuir para a evolução do sistema tributário brasileiro, buscando sempre o equilíbrio entre a arrecadação necessária e a promoção do bem comum.