O crédito tributário possui prerrogativas que o colocam em posição de destaque perante outros créditos. Essas prerrogativas são essenciais para garantir a arrecadação fiscal e, consequentemente, o funcionamento do Estado.
De acordo com o Código Tributário Nacional (CTN), especificamente o artigo 186, o crédito tributário prefere a qualquer outro, independentemente de sua natureza ou tempo de constituição, exceto os créditos decorrentes da legislação trabalhista e do acidente de trabalho.
Isso significa que, em processos de cobrança coletiva, a ordem geral de preferência é:
- Primeiro: Créditos trabalhistas e decorrentes de acidentes de trabalho.
- Segundo: Créditos tributários.
- Terceiro: Demais créditos, seguindo a ordem legal estabelecida.
Particularidades na Falência
A Lei nº 11.101/2005, conhecida como Lei de Falências, trouxe nuances importantes para a ordem de preferência na falência:
- Créditos Trabalhistas Limitados: Os créditos trabalhistas têm preferência até o limite de 150 salários mínimos por credor. O que exceder esse valor é classificado como crédito quirografário.
- Créditos com Garantia Real: Esses créditos têm preferência sobre os créditos tributários até o limite do valor do bem dado em garantia. Isso significa que, na falência, os credores com garantia real ocupam a segunda posição na ordem de preferência, logo após os trabalhistas.
- Multas Tributárias: As multas de natureza tributária não compartilham da mesma preferência que o crédito tributário principal. Elas são classificadas após os créditos quirografários e antes dos créditos subordinados.
Créditos Extraconcursais e Importâncias Restituíveis
- Créditos Extraconcursais: São créditos que surgem após a decretação da falência e são pagos antes de qualquer outro crédito. Incluem despesas necessárias para a administração da massa falida e tributos gerados nesse período.
- Importâncias Restituíveis: Valores que não integram o patrimônio do falido e devem ser devolvidos aos legítimos proprietários. Exemplos incluem contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e não repassadas ao INSS.
Aplicação da Jurisprudência
A Súmula 417 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que valores em poder do falido, recebidos em nome de terceiros ou dos quais não tenha disponibilidade, devem ser restituídos. Isso reforça a necessidade de devolução de valores que não pertencem à massa falida, mesmo em detrimento de outros credores.
Créditos Tributários Pós-Falência
Os créditos tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos após a decretação da falência são considerados extraconcursais. Conforme o artigo 188 do CTN, esses créditos têm preferência e devem ser pagos antes dos créditos concursais.
Situações Análogas: Inventário e Liquidação
A preferência do crédito tributário também se aplica em processos de inventário e liquidação de pessoas jurídicas. Nesses casos, os tributos devidos pelo de cujus ou pela empresa em liquidação têm prioridade no pagamento, observando-se as mesmas regras aplicáveis à falência.
Conflito entre Execução Fiscal e Falência
Quando há simultaneamente um processo de execução fiscal e um de falência, é fundamental harmonizar a autonomia da execução fiscal com a ordem de preferências na falência. Embora a execução fiscal seja um processo autônomo, o crédito tributário deve respeitar a ordem legal de pagamento estabelecida na falência.
Autonomia da Execução Fiscal e o Concurso de Credores
O crédito tributário possui uma característica peculiar: sua cobrança judicial não se submete ao concurso de credores ou à habilitação em falência. Isso está previsto no artigo 187 do Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece:
“A cobrança judicial do crédito tributário não está sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.”
Isso significa que a Fazenda Pública tem a prerrogativa de promover a execução fiscal de forma autônoma, independentemente de outros processos coletivos em curso. Entretanto, essa autonomia gera um desafio prático: como conciliar a execução fiscal com a ordem de preferência de créditos na falência?
Conflito entre Execução Fiscal e Falência
Quando a Fazenda Pública promove a execução fiscal e penhora bens do devedor, surge o conflito com o processo falimentar, pois a alienação desses bens na execução fiscal pode interferir na ordem legal de pagamento dos credores na falência. Para resolver esse impasse, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que:
- O produto da alienação dos bens penhorados na execução fiscal deve ser remetido ao juízo falimentar, para que seja respeitada a ordem de preferência estabelecida na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências).
Dessa forma, evita-se que a Fazenda Pública receba antes de credores que, na falência, têm preferência legal, como os trabalhadores.
Possibilidade de Habilitação do Crédito Tributário na Falência
Outra questão relevante é se a Fazenda Pública pode optar por habilitar seu crédito diretamente no processo falimentar, em vez de promover a execução fiscal. O STJ entende que:
- A Fazenda Pública pode escolher entre a execução fiscal e a habilitação do crédito na falência. Essa opção é uma prerrogativa da entidade pública, permitindo-lhe decidir a via mais adequada para a satisfação de seu crédito.
É importante ressaltar que não é possível utilizar simultaneamente as duas vias. Uma vez escolhida a habilitação na falência, a Fazenda Pública não deve promover a execução fiscal referente ao mesmo crédito, e vice-versa.
Hierarquia entre Entes Federativos no Recebimento de Créditos Tributários
Historicamente, havia dispositivos legais que estabeleciam uma hierarquia entre os entes federativos na cobrança de créditos tributários, atribuindo preferência à União sobre Estados, Distrito Federal e Municípios. Isso estava previsto no parágrafo único do artigo 187 do CTN e no parágrafo único do artigo 29 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais).
Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 357, decidiu que tais dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988. O STF considerou que:
- A hierarquização entre os entes federativos viola o princípio do pacto federativo, que estabelece a igualdade entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
A decisão do STF na ADPF nº 357 afirmou:
“Julga-se procedente a arguição para declarar que não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988 as normas previstas no parágrafo único do artigo 187 do Código Tributário Nacional e no parágrafo único do artigo 29 da Lei nº 6.830/1980.”
Em decorrência dessa decisão:
- Não existe mais preferência da União sobre os demais entes federativos na cobrança de créditos tributários. Todos os entes têm igualdade de condições no concurso de credores.
- Foram canceladas súmulas que sustentavam essa hierarquia, como:
- Súmula nº 563 do STF: que afirmava a compatibilidade do concurso de preferência com a Constituição.
- Súmula nº 497 do STJ: que estabelecia a preferência dos créditos das autarquias federais sobre os créditos da Fazenda Estadual.
O cancelamento dessas súmulas reflete a atualização jurisprudencial em conformidade com a Constituição de 1988. Além disso, precedentes que reconheciam a hierarquia entre os entes federativos foram superados, reforçando o princípio federativo.