Garantias do Crédito Tributário

O crédito tributário representa uma parcela vital do patrimônio público. É por meio dos recursos arrecadados que o Estado financia serviços essenciais, como saúde, educação e segurança. Para assegurar a solvência dessas obrigações, a legislação confere ao crédito tributário diversas garantias e privilégios, reforçando o princípio de que o interesse público prevalece sobre o privado.

No Brasil, não há prisão civil por dívida, exceto no caso de inadimplência de pensão alimentícia, conforme previsto no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal. Diante disso, a cobrança de dívidas, incluindo as tributárias, recai sobre o patrimônio e a renda do devedor. No entanto, a lei estabelece que certos bens são impenhoráveis, visando preservar a dignidade e a subsistência do indivíduo.

O CTN estabelece que as garantias e os privilégios do crédito tributário não se limitam ao que está expressamente previsto em seu texto. Conforme o artigo 183, “a enumeração das garantias atribuídas neste capítulo ao crédito tributário não exclui outras, que sejam expressamente previstas em lei, em função da natureza ou das características específicas do tributo a que se refiram.”

Isso significa que leis específicas podem introduzir outras garantias, adaptando-se às peculiaridades de cada tributo.

Natureza das Garantias

O parágrafo único do artigo 183 esclarece: “a natureza das garantias atribuídas ao crédito tributário não altera a natureza deste, nem a da obrigação tributária que lhe deu origem.”

Em outras palavras, independentemente do tipo de garantia oferecida—se real ou pessoal—, a essência do crédito tributário permanece inalterada. Isso é crucial em processos de insolvência ou falência, onde a ordem de preferência dos créditos é estabelecida pela natureza do crédito, e não pelas garantias que o acompanham.

Artigo 184: Responsabilidade dos Bens e Rendas

O artigo 184 do CTN dispõe: “sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, previstos em lei, o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da sua constituição.”

Isso implica que todos os bens e rendas do devedor respondem pelo pagamento do crédito tributário, incluindo aqueles gravados com ônus real ou cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade. A única exceção são os bens considerados absolutamente impenhoráveis por lei.

Exceção: Bens Absolutamente Impenhoráveis

Os bens absolutamente impenhoráveis estão previstos no artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC), tais como:

  • Vestuários, pertences de uso pessoal e os bens móveis que guarnecem a residência, desde que de modesto valor.
  • Salário, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, entre outros.

Esses bens são protegidos para garantir condições mínimas de subsistência ao devedor e sua família.

Presunção de Fraude na Alienação de Bens

Artigo 185: Presunção Legal de Fraude

O artigo 185 do CTN estabelece: “presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito em dívida ativa.”

Após a inscrição em dívida ativa, qualquer alienação ou oneração de bens pelo devedor, sem a reserva de patrimônio suficiente para saldar o débito, é presumida fraudulenta. Essa presunção dispensa a comprovação de má-fé ou conluio entre as partes envolvidas na transação.

Alterações Introduzidas pela Lei Complementar 118/2005

Antes da Lei Complementar 118/2005, a presunção de fraude só se aplicava se a alienação ocorresse após a citação do devedor na execução fiscal. Com a alteração, a simples inscrição em dívida ativa é suficiente para configurar a presunção, fortalecendo a posição da Fazenda Pública na recuperação do crédito tributário.

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

O STJ consolidou o entendimento de que a presunção de fraude prevista no artigo 185 do CTN não exige a comprovação de registro da penhora ou da má-fé do terceiro adquirente. Isso foi reafirmado no julgamento do Recurso Especial nº 1.141.990/PR, onde se estabeleceu que a alienação de bens após a inscrição em dívida ativa é, por si só, presumidamente fraudulenta.

Indisponibilidade de Bens (Penhora Online)

Artigo 185-A: Indisponibilidade de Bens e Direitos

O artigo 185-A do CTN autoriza que, caso o devedor seja devidamente citado em execução fiscal e não pague nem nomeie bens à penhora, o juiz possa decretar a indisponibilidade de seus bens e direitos. O dispositivo estabelece: “na hipótese de o devedor, citado nos termos da lei, não pagar nem apresentar bens à penhora, e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos.”

Procedimento e Comunicação

A decisão judicial deve ser comunicada, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades responsáveis pelo registro de transferência de bens, como cartórios de registro de imóveis e autoridades supervisoras do mercado financeiro.

Diferenças em Relação ao CPC

Embora o artigo 854 do CPC também preveja a penhora de ativos financeiros, há diferenças importantes:

  • No CPC, a penhora online pode ser requerida diretamente pelo exequente, sem a necessidade de esgotar outras diligências.
  • No âmbito tributário, conforme entendimento do STJ, é necessário que a Fazenda Pública demonstre que esgotou as tentativas de localizar bens penhoráveis antes de requerer a indisponibilidade prevista no artigo 185-A do CTN.

Jurisprudência do STJ sobre a Exigência de Diligências Prévias

O STJ, em reiteradas decisões, tem afirmado que a decretação de indisponibilidade de bens nos termos do artigo 185-A do CTN exige o esgotamento de diligências para localização de bens penhoráveis. Isso foi destacado no AgInt no Recurso Especial nº 1.830.891/SC, onde se estabeleceu que a medida é excepcional e depende da comprovação de que o devedor não possui bens passíveis de penhora.

Garantias no Processo de Inventário

Quando uma pessoa falece, ocorre a transferência imediata de seu patrimônio para os herdeiros, conforme o princípio da saisine previsto no Código Civil. No entanto, essa transferência efetiva depende do processo de inventário, que formaliza a partilha dos bens.

Exigência de Quitação dos Tributos Relativos aos Bens do Espólio

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 192, estabelece:

“Nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio ou às suas rendas.”

Isso significa que, antes de concluir o processo de inventário, é obrigatório comprovar que todos os tributos incidentes sobre os bens deixados pelo falecido foram devidamente quitados. Esses tributos incluem, por exemplo, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto Territorial Rural (ITR), bem como o Imposto de Renda incidente sobre as rendas do espólio.

Controvérsia sobre o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)

Uma questão que gera debate é se o ITCMD, tributo que incide sobre a transmissão de bens em decorrência de falecimento ou doação, está incluído nessa exigência de quitação prévia. O entendimento majoritário, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é de que o ITCMD não se enquadra como tributo relativo aos bens do espólio ou às suas rendas para os fins do artigo 192 do CTN.

Jurisprudência do STJ

O STJ, ao julgar o tema, firmou o entendimento de que a exigência de quitação prévia não se estende ao ITCMD. Isso foi consolidado no julgamento do Recurso Especial nº 1.119.175/SP, onde se decidiu que:

“No arrolamento sumário, a homologação da partilha e a expedição do formal respectivo não dependem da comprovação do recolhimento do ITCMD, bastando a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas.”

Arrolamento Sumário e a Simplificação do Inventário

Com o objetivo de tornar o processo de inventário mais ágil, especialmente quando há consenso entre os herdeiros e ausência de interessados incapazes, a legislação permite o arrolamento sumário, conforme disposto no artigo 659 do Código de Processo Civil.

Dispensa da Comprovação de Quitação do ITCMD no Arrolamento Sumário

No arrolamento sumário, a legislação busca simplificar procedimentos, permitindo que a partilha seja homologada sem a necessidade imediata de comprovação do pagamento do ITCMD. Contudo, isso não isenta os herdeiros da obrigação de recolher o tributo posteriormente, cabendo ao Fisco realizar o lançamento e a cobrança adequados.

O CNJ, visando ampliar a desjudicialização e dar celeridade aos processos, editou a Resolução nº 35/2007, que regulamenta a realização de inventários e partilhas extrajudiciais, inclusive permitindo que, mesmo havendo herdeiros incapazes, o procedimento possa ocorrer em cartório, desde que seja garantida a defesa de seus interesses.

Garantias no Processo de Falência e Recuperação Judicial

A legislação também estabelece garantias específicas no âmbito empresarial, especialmente nos processos de falência e recuperação judicial, visando assegurar a satisfação dos créditos tributários.

O artigo 191-A do CTN determina:

“A concessão de recuperação judicial, bem como a homologação de plano de recuperação extrajudicial ou concessão de falência, depende da apresentação de prova de quitação de todos os tributos.”

Aqui, a expressão “prova de quitação” deve ser interpretada como comprovação de regularidade fiscal, não necessariamente significando que todos os débitos tributários foram pagos integralmente. A regularidade pode ser obtida por meio de parcelamentos ou outras formas de suspensão da exigibilidade, conforme o artigo 151 do CTN.

Artigo 151 do CTN

Este artigo elenca as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, sendo relevante citar:

  • “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I – moratória;

II – o depósito do seu montante integral;

III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

IV – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;

V – o parcelamento.”

No contexto da recuperação judicial, aplica-se o princípio da preservação da empresa, previsto na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências), cujo artigo 47 estabelece:

“A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

O STJ tem flexibilizado a exigência de apresentação das certidões negativas de débitos tributários, reconhecendo que a ausência de regulamentação adequada para o parcelamento especial dos débitos fiscais das empresas em recuperação judicial não pode impedir a concessão da recuperação. Isso foi afirmado no Recurso Especial nº 1.187.404/MT, onde se decidiu que:

“Enquanto não regulamentado o parcelamento tributário especial para empresas em recuperação judicial, não se pode exigir a apresentação de certidões negativas como condição para a concessão da recuperação judicial.”

Lei nº 10.522/2002 e o Parcelamento Especial

Com o advento da Lei nº 13.043/2014, foi incluído o artigo 10-A na Lei nº 10.522/2002, que possibilita às empresas em recuperação judicial parcelar seus débitos fiscais em até 84 parcelas.

“Art. 10-A. A empresa em recuperação judicial poderá parcelar seus débitos tributários, vencidos e vincendos, em até 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e sucessivas, conforme regulamentação.”

Essa medida visa facilitar a regularização fiscal das empresas, permitindo que elas atendam às exigências legais para a concessão da recuperação judicial.

Em 2020, a Lei nº 14.112/2020 promoveu alterações na Lei de Recuperação Judicial e Falências, aprimorando os mecanismos de renegociação de dívidas e reforçando a importância da recuperação das empresas em dificuldade financeira.

Mesmo após a regulamentação do parcelamento especial, o STJ tem mantido o entendimento de que a exigência de certidões negativas não pode inviabilizar a recuperação judicial, especialmente quando a empresa demonstra boa-fé e empenho em regularizar sua situação fiscal.

Garantias em Contratos com a Administração Pública

Outro aspecto relevante é a exigência de regularidade fiscal para celebrar contratos ou participar de licitações com a administração pública.

Artigo 193 do CTN

“Salvo quando expressamente autorizada por lei, nenhum departamento da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou respectivas autarquias, celebrará contrato ou aceitará proposta em concorrência pública sem que o interessado apresente prova de quitação de todos os tributos devidos à Fazenda Pública interessada, relativos à atividade em cujo exercício contrata ou concorre.”

A exigência de comprovação de regularidade fiscal limita-se aos tributos devidos à Fazenda Pública com a qual se pretende contratar e que sejam relativos à atividade exercida. Por exemplo, se uma empresa deseja firmar contrato com um município, deverá comprovar que não possui débitos referentes aos tributos municipais relacionados à atividade que desempenha.

A Lei nº 14.133/2021, nova Lei de Licitações, reforça a importância da regularidade fiscal, exigindo a apresentação de certidões negativas como condição para a habilitação em processos licitatórios. No entanto, mantém-se a diretriz de que a exigência deve ser pertinente e proporcional ao objeto do contrato.

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